Entre os novos liberais e conservadores brasileiros, em meio àquilo que se convencionou chamar em alguns meios de “nova direita”, alguns temas são constantes provocadores de discussões internas. Um deles é a dicotomia entre o fator econômico e o fator cultural.
É comum que aqueles mais identificados com o conservadorismo acusem algumas alas liberais e libertárias de padecer do mal do “economicismo”, ignorando a importância de difundir ideias diferentes nos meios de expressão cultural – particularmente nas artes, como o cinema. Em palestra no lançamento do segundo teaser do filme Bonifácio – o Fundador do Brasil, o publicitário e comentarista político Alexandre Borges fez uma contundente sustentação dessa tese. Também não é raro que essa tese venha associada às denúncias contra uma infiltração cultural esquerdista inspirada nas teorias do filósofo marxista Antônio Gramsci.
Nos círculos que preferem se identificar como liberais, têm aparecido reações diferentes a esse discurso. Alguns alegam que não desqualificam a importância da cultura, mas que os conservadores se excedem na sua valorização dessa temática. Outros já dizem que o entendimento dos conservadores sobre o que seja a própria cultura está equivocado.
Opiniões divididas
Os últimos dias foram marcados por um debate entre colunistas e influenciadores sobre esse problema filosófico e metodológico. O estopim da discussão parece ter sido o presidente do Instituto Liberal de São Paulo, Marcelo Faria.
O comentário rendeu uma réplica do blogueiro e economista Rodrigo Constantino, para quem o post de Marcelo Faria claramente foi “um ataque indireto a Alexandre Borges, que tem sido uma das principais vozes da direita brasileira a reforçar essa necessidade de voltarmos a falar de cultura”. Constantino publicou em seu blog o artigo Os liberais precisam reagir ao “economicismo”, nem que peçam ajuda aos conservadores para tanto!, expondo a sua visão do tema.
Na opinião de Constantino, a cultura tem muito valor, e todos os liberais deveriam saber disso, pois o liberalismo clássico sempre foi calcado em valores morais, “não em fórmulas econômicas. O mercado não sobrevive num vácuo de valores, e ele pode ser amoral, mas os indivíduos que o compõem não precisam – e não devem – ser indiferentes aos hábitos e costumes disseminados naquela sociedade”.
Outros influenciadores se manifestaram a favor de posições semelhantes às de Constantino e Alexandre Borges:
Bernardo Santoro, ex-diretor presidente do IL e professor na Mackenzie (SP)
“Essas pessoas que dizem que a economia é que define a cultura assimilaram bem e concordam com a teoria marxista da economia como infraestrutura e influenciadora de todo o resto, que seria a superestrutura social. Já aquelas que explicam que a cultura é o fator predominante e ela precisa ser a estrutura que fundamenta uma economia de mercado, bem, essas sabem bem a fórmula de um país estável e desenvolvido.”
Luciano Ayan, editor do blog Ceticismo Político
“Está rolando um fuzuê na direita com uma discussão sobre o que é mais importante: economia ou cultura. Marcelo Faria, do ILISP, defende que economia é o mais importante. Rodrigo Constantino defende que a cultura é o mais importante. Nesse caso, concordo mais com Constantino. Porém, o poder é mais importante que cultura e economia juntos. Com poder, ambos são direcionados e a luta cultural/econômica fica muito mais difícil para o outro lado.”
Filipe G. Martins, aluno de Olavo de Carvalho e formado em Relações Internacionais
“Quem diz que economia é mais importante que a cultura normalmente não entende nem de cultura nem de economia. Qualquer pessoa que compreenda por que o Adam Smith começou pela “Teoria dos Sentimentos Morais” e não pelo “Riqueza das Nações”, ou que saiba por que os escolásticos de Salamanca anteciparam em séculos as principais descobertas econômicas, não se surpreende …com a afirmação de que a economia vem sempre após a cultura.”
A crítica de Geanluca Lorenzon
Quem mais se destacou na defesa da posição de Marcelo Faria, do ILISP, rebatendo a visão de que a investida na cultura é primordial no enfrentamento político, foi Geanluca Lorenzon, Diretor de Operações do Instituto Mises Brasil até abril, que lança livro em breve no Fórum da Liberdade.
Em sequência de posts em seu Facebook, Geanluca criticou o que considera ser um exagero da importância do fator cultural por parte dos conservadores. “O maior problema do argumento do Rodrigo Constantino”, diz ele, “é que o que ele considera como ‘cultura’ simplesmente não é o que grandes liberais como Hayek demonstraram ser”.
Para Lorenzon, a ideia de “almejar uma instituição deliberada” seria um pensamento bastante “socialista”, fora de lugar em alguém “como Rodrigo, que se declara ‘liberal'”. Ele encerrou com uma frase de efeito: “Mais Hayek, menos Constantino”.
Geanluca publicou ainda um segundo comentário, sustentando que tudo que os conservadores chamam de “marxismo cultural” e “tentativa de destruição da cultura ocidental” não passaria de “um estilo de vida que há muito tempo já era experimentado por uma parcela da população”, como “orgias, drogas, transexualismo, pornografia” e “moda de choque”, e que o capitalismo teria popularizado.
Finalmente, Geanluca concluiu com ironia, dizendo que no “mundo mágico dos conservadores, os políticos e agentes da cultura não reagem mais à ação humana e todas suas particularidades”, agindo apenas em função de “um plano central e bem organizado, de forma eficiente, comandado por um grupo de pessoas que iniciou na chamada Escola de Frankfurt”. Segundo Geanluca, é contraditório acreditar que o planejamento central fracassa na Economia, mas temer seu sucesso na cultura, e aventa as ideias liberais presentes na população das favelas como um contra-argumento à crença no poder do Gramscismo.