Basta um bom motivo para que qualquer lançamento seja aguardado com apreensão. Para a estreia de O Jardim das Aflições, porém, a expectativa é grande por bem mais do que uma boa razão. Em primeiro lugar, o filme se debruça diante de um dos intelectuais mais influentes da “nova direita”: o filósofo Olavo de Carvalho, conservador, feroz crítico da esquerda, seguido por centenas de milhares de pessoas e lembrado em quase todas as manifestações de rua a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em segundo lugar, vem o fato de ter sido viabilizado por um financiamento coletivo que resultou em R$ 300 mil para a produção, o maior crowdfunding para um filme no Brasil – e sem precisar de um centavo do dinheiro público. Por fim, pelo fato de ser dirigido pelas talentosas mãos do cineasta pernambucano Josias Teófilo, que já lançou dois teasers de impressionante qualidade sobre a obra.
Nessa entrevista exclusiva ao Boletim da Liberdade, Josias abre o jogo sobre o boicote que o filme tem sofrido desde o início, culminando no fato de não ser aceito nos principais festivais nacionais – o que considera como prova de que “são instrumentalizados pela esquerda”. Ele também fala sobre o relacionamento que passou a ter com Olavo após gravar o documentário, cujos eixos temáticos são o percurso biográfico do filósofo, sua rotina nos Estados Unidos e seu pensamento. O Jardim das Aflições estreia nos cinemas brasileiros em maio.
Boletim da Liberdade: Você começou sua trajetória entrevistando personalidades para a revista Continente e agora começa a ser mais conhecido no Brasil pelo documentário que será lançado este ano sobre o filósofo Olavo de Carvalho. Em que medida todas essas suas diferentes experiências se complementaram e como veio a ideia de lançar-se sobre a obra de Olavo?
Josias Teófilo: É natural que o interesse por arte se manifeste num interesse pela vida dos artistas. Sempre tentei me aproximar das personalidades que admiro, e aprendi muito com essa aproximação. Quando escrevia para a Revista Continente, fiz de tudo para entrevistar grandes personalidades da cultura – inclusive entrevistei Olavo de Carvalho, mas a entrevista foi vetada, motivado por obscuras decisões editoriais (que sempre são políticas). Fui lá e fiz o filme sobre ele.
Boletim da Liberdade: O Jardim das Aflições tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros em maio. Apesar disso, um extra do filme já foi disponibilizado para compra na internet: As Doze Camadas da Personalidade. Qual tem sido a repercussão do extra? Quantas pessoas já o assistiram e como tem sido o feedback? Essa modalidade de compra ou aluguel pela internet é uma opção que viabiliza economicamente projetos de cinema documentário?
Josias Teófilo: A repercussão tem sido muito boa – mais de mil pessoas já compraram o extra. A ansiedade para ver esse filme e tudo que é relacionado a ele é imensa. Já fui até xingado várias vezes na internet por não ter lançado o filme ainda. Hoje já é possível inclusive fazer um filme inteiro com pré-venda na internet – tudo depende do interesse que o público alvo tem pelo tema.
Boletim da Liberdade: Pode-se dizer que sua iniciativa é, sob vários aspectos, pioneira. Além da temática, ela surge de um financiamento coletivo. Como você analisa o impacto e a originalidade dela, sobretudo se compararmos com o restante do que se tem produzido na indústria do cinema nacional?
Josias Teófilo: Na verdade, existia uma proibição tácita de fazer um filme sobre Olavo de Carvalho. Qualquer um que fizesse um projeto desse tipo seria boicotado, excluído e marginalizado do meio cinematográfico nacional. Foi o que aconteceu comigo – não é à toa que eu tive que me mudar para a Virgínia, onde estou morando atualmente. O clima para mim ficou irrespirável no meio cultural brasileiro.
Existia uma proibição tácita de fazer um filme sobre Olavo de Carvalho. Qualquer um que fizesse um projeto desse tipo seria boicotado, excluído e marginalizado do meio cinematográfico nacional.
A originalidade de O Jardim das Aflições está primeiramente em tratar de filosofia seriamente no cinema brasileiro. Não vi isso ser feito antes. E também na forma por que foi financiado, sem dinheiro público, e através de um sistema de fases para captação de recursos – que tornou um projeto desse tamanho exeqüível, porque dilui a meta de captação em fases menores. Também teremos um filme sobre um documentário sobre filosofia passando no circuito comercial – também nunca vi isso acontecer.
Boletim da Liberdade: Como foi esse boicote? Até que ponto isso pode vir a influenciar a repercussão do filme na mídia?
Josias Teófilo: Várias pessoas do meio cultural tentaram impedir que O Jardim existisse tentando fazer com que profissionais não trabalhassem no filme. Alguns profissionais se negaram a trabalhar no filme por isso. O filme foi recusado pelos principais festivais brasileiros – o que reflete não um julgamento qualitativo do filme, mas antes o quanto os festivais brasileiros são instrumentalizados pela esquerda.
Boletim da Liberdade: Como é a sua relação direta com figuras e instituições do movimento liberal ou conservador, e de que maneira essa relação pode contribuir para produções cinematográficas como essa? E como é a sua relação com o próprio Olavo de Carvalho, como foi a disposição dele para contribuir para este filme?
Josias Teófilo: Fazendo o filme sobre Olavo eu acabei me aproximando de figuras que hoje me são muito queridas, como Rodrigo Gurgel, Elpídio Fonseca, Roberto Mallet. Olavo se tornou meu amigo próximo, assim como toda a sua família – que são pessoas realmente adoráveis.
https://youtu.be/gE2nBiwPfuk
Boletim da Liberdade: Ainda no que tange à produção de cinema documental, quais temas ideológicos, políticos e culturais poderiam ou deveriam ser explorados entre os cineastas brasileiros? De que maneira o cinema documentário se complementa aos livros e artigos na disseminação cultural?
Josias Teófilo: Eu suponho que em arte a gente sempre trata do que poderia ser, e nunca do que deveria. Se a gente entra no “deveria” vai chegar à retórica e à política. A arte está sempre no campo do possível, e se ela for usada para divulgar ideias ou defender programas políticos pode perder todo seu significado profundo. Por outro lado, o cinema documentário tem uma relação mais próxima com o real que o cinema de ficção. Nós temos realizado uma parceria muito boa com a Editora Record, e O Jardim das Aflições sairá junto da biografia intelectual de Olavo de Carvalho – com fotos minhas com filme cromo e transcrições dos depoimentos por Wagner Carelli. O Jardim das Aflições não é um filme político nem retórico, mas faz parte de um momento cultural específico no Brasil, do qual a Editora Record com Carlos Andreazza também faz parte destacadamente.
O Jardim das Aflições não é um filme político nem retórico, mas faz parte de um momento cultural específico no Brasil
Boletim da Liberdade: Agradecemos a entrevista e perguntamos: quais são os planos para a divulgação do filme e os próximos projetos que você pretende encampar?
Josias Teófilo: Primeiro elemento de divulgação para o filme é o ódio dos esquerdistas. Eles nos ajudaram a financiar o filme, e agora estão nos ajudando a divulgá-lo. Cada vez que esperneiam, o filme atinge mais e mais gente. Os próximos projetos são um filme produzido por Danilo Gentili e Iconostasis, um documentário sobre o cineasta russo Andrei Tarkóvski e a tradição do ícone.