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Se o nazismo era coletivista, ele era de esquerda, direita ou terceira via?

Discussão já é considerada uma grande vitória do ecossistema pró-liberdade por trazer à tona as ligações do nazismo com regimes coletivistas, embora Hitler, certamente, não fosse um comunista
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O debate sobre a melhor rotulagem política do nazismo não é nova no ecossistema pró-liberdade. A novidade, porém, é que a discussão ultrapassou as fronteiras do movimento e ganhou força nas últimas semanas nas redes sociais brasileiras, em grande parte inflamada pela repercussão da manifestação de Charlottesville, nos Estados Unidos, que contou com a presença de neonazistas.

A abordagem de que o nazismo, em vez de extrema-direita, como convencionalmente se rotula, seria um movimento de esquerda, suscitou polêmica. Debates, artigos, reportagens e manifestações de influenciadores com milhões de seguidores na internet atingiram pessoas que talvez nunca tivessem questionado algumas características dos regimes nazi-fascistas. Para Bernardo Santoro, ex-presidente do Instituto Liberal, trata-se de uma conquista essa discussão: “A simples existência do debate se nazismo é de direita ou esquerda já é uma vitória incrível do movimento liberal e conservador no Brasil”.

Grande parte da polêmica que gira em torno da melhor classificação para o regime nazista, antagonista do conflito mais letal da história da humanidade, se dá ao fato de que seu ideário reuniu diferentes características políticas, além de que a própria definição de esquerda e direita também tenha como característica ser excessivamente dicotômica.

“Existem várias esquerdas e existem várias direitas. Existe uma esquerda social-democrata, uma esquerda socialista, comunista, revolucionária, anarquista, assim como existe uma direita conservadora, tradicionalista, existe uma direita realista, uma direita idealista, uma direita militarista, uma direita pacifista. E é a mesma coisa com a direita liberal, uma esquerda liberal, enfim: existem várias direitas e esquerdas. Os termos ‘direita’ e ‘esquerda’, são aleatórios, casuais e convencionais”, explica o professor de ciência política do Ibmec/MG, Adriano Gianturco, ouvido pelo Boletim da Liberdade.

Gianturco explicou as diferentes facetas do nazismo: “Do ponto de vista econômico, [trata-se] do controle da economia total. Isso abrange uma esquerda e uma direita. […] E, do ponto de vista social, político e cultural, o nacionalismo e a questão racial. […] O nazismo é uma junção entre o socialismo e nacionalismo”. Para o professor, seria melhor definir o nazismo por meio de ferramentas de classificação política mais completas, como o Diagrama de Nolan e o Political Quiz. “Uma proposta de perspectiva de olhar diferente. Se nós abandonamos a dicotomia esquerda e direita e adotamos a perspectiva autoritários e não autoritários, totalitários e não totalitários, e autoritários ou liberais… temos uma dicotomia, uma chave de interpretação interessante. Talvez não a única certa, mas interessante. Desse ponto de vista, tanto faz que seja fascismo, nazismo, comunismo ou socialismo, que todos estão na categoria dos autoritários totalitários.”

Marcelo Faria, presidente do Instituto Liberal de São Paulo, porém, considera que o nazismo tenha sido um movimento de esquerda assim como o fascismo. Ele encoraja esse posicionamento pela importância do “embate político” e sustenta que liberais não deveriam dizer que essa rotulagem é irrelevante. “Se os liberais querem realmente vencer o embate político e ver esse país mudando, é fundamental entrar em debates sobre a classificação do nazismo e do fascismo. […] Sem entrar nessas discussões, seremos igualados a nazistas em comparações sem pé nem cabeça”, desabafou em seu perfil no Facebook.

Foto: Arquivo Público

De fato, muitos historiadores no passado já chegaram a interpretar o surgimento do nazismo devido a interesses econômicos privados. O jornalista Leandro Narloch em seu Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo (2013), da Editora Leya, tratou do assunto. “A aliança dos empresários com Hitler fez muitos historiadores retratarem nazismo como resultado dos famosos ‘interesses econômicos’ e Hitler como um fantoche de empresários. Essa tese foi refutada, já nos anos 60, pela teoria da primazia da política, segundo a qual os nazistas usaram as grandes empresas como títeres no esforço de guerra, submetendo lucros aos interesses da nação”.

Ian Kershaw, autor da mais famosa biografia de Adolf Hitler, esclarece que a visão do líder nazista era de um mercado subjugado aos interesses do estado: “Seria o estado, e não o mercado, que determinaria a forma de desenvolvimento econômico. Desse modo, o capitalismo continuaria vigente – mas, em seu funcionamento, ele foi transformado em um adjunto do estado”.

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Adriano Gianturco, por sua vez, confirma que o nazismo não teve nada de liberal. “O nazismo não tem nada de próximo ao liberalismo, ao livre mercado.” Ele também questiona a narrativa de que, no setor econômico, o nazismo funcionou durante um tempo. “É fácil anexando países, comendo ao estilo ‘war’ [jogo de tabuleiro] um país igual ao outro e extraindo recursos. Isso não significa estar produzindo riquezas”.

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo no último dia 16, o jornalista Leandro Narloch voltou ao tema. Embora concorde com Gianturco de que Hitler não seria, nem de longe, um liberal, ele discorda da concepção de Marcelo Faria, do ILISP, segundo o qual o nazismo seria um fenômeno de esquerda. Para Narloch, a ideologia “era a terceira via dos anos 1920, os políticos que rejeitavam rótulos e pregavam ‘contra tudo isso que está aí”.

Hitler em inauguração de auto-estrada alemã em 1936 (Foto: Acervo Público)

“Hitler não era de esquerda. Tinha os comunistas como seus principais inimigos e, mais importante, não ligava para a igualdade, o principal valor da esquerda. […] Hitler tampouco era um conservador. Conservadores pregam a prudência na política, a ordem e a preservação das conquistas da sociedade. […] Estava muito mais para um jacobino, alguém disposto a cortar cabeças e arriscar tudo em nome de uma sociedade perfeita. Seria Hitler um liberal? Nem de longe. A ascensão do fascismo na Europa também é conhecida por historiadores como ‘a segunda morte de Adam Smith’. O oposto do fascismo não é o comunismo, mas o individualismo”, escreveu.

O mundo está cheio de nacionais-socialistas

Com o fim do nazismo, estaria a ideologia nacional-socialista totalmente morta ou apenas no submundo da política? Não é o que pensam muitos estudiosos. Adriano Gianturco, por exemplo, observa que “muitos socialistas atuais do mundo inteiro, inclusive no Brasil, são ao mesmo tempo socialistas e nacionalistas, e não mais internacionalistas”. A mesma conclusão também é do famoso historiador John Lukacs em seu espetacular livro O Duelo: Churchill vs. Hitler.

“A visão de Hitler sobreviveu a ele. Percebeu que a força era mais importante que a riqueza, que a nacionalidade era mais importante que a classe, que o nacionalismo era mais poderoso que o internacionalismo. Durante o século XX, a combinação de nacionalismo com socialismo se tornou a fórmula quase universal para todos os estados do mundo. […] Todos os estados no mundo se tornaram uma espécie de estado assistencial. Quer se intitulem socialistas ou não, não importa muito. Hitler sabia disso. […] Todos nós somos atualmente nacional-socialistas”, provoca Lukacs no epílogo da obra.

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Ele, claro, observa: “É evidente que as proporções da combinação de nacionalismo e socialismo variam de país para país. Mas a combinação existe e, mesmo onde a socialdemocracia predomina, é o sentimento nacional do povo que fundamentalmente importa. O que foi derrotado em 1945, juntamente com Hitler, foi o nacional-socialismo alemão: uma versão cruel e descomedida do nacional-socialismo. Em outros lugares, o nacionalismo e socialismo foram unidos, conciliados e depois combinados, sem violência, ódio e guerra.”

Para medir a popularidade de algumas ideias fascistas entre políticos brasileiros atuais, o jornalista Leandro Narloch realizou uma pesquisa que foi publicada em seu Guia Politicamente Incorreto da História do Mundo. Ele selecionou cinco frases do livro A Doutrina do Fascismo, publicado em 1932 por Benito Mussolini, aliado italiano de Adolf Hitler, e – sem indicação do autor – pediu para deputados federais apontarem  se concordavam ou discordavam com elas. “As ideias fascistas tiveram menos discordância entre os políticos de esquerda. No topo da aceitação das frases, o deputado Jair Bolsonaro foi o único à direita, dividindo espaço com colegas que frequentemente o classificam como fascista”, diz o livro. Dos partidos que mais apoiaram as ideias de Mussolini, estiveram o PCdoB, o PT e o PDT.

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