MARCELO LOURENÇO FILHO*
Um conceito de que gosto muito é o da chamada “janela de Overton”. A ideia, desenvolvida por Joseph Overton, líder de um think tank pró-livre mercado, diz respeito à gama de ideias que são consideradas “aceitáveis” pelo público em geral. Para ele, é perfeitamente possível que um pequeno grupo de pessoas – para o bem ou para o mal – “desloque” a janela e faça com que suas ideias, até então consideradas impensáveis ou radicais, passem a ser populares e até politicamente viáveis.
O conceito se aplica muito bem à academia. Há pouco tempo atrás, o liberalismo era interpretado como mera ideologia de defesa dos mais ricos em detrimento dos mais pobres. Discutir com seriedade os principais autores, obras e correntes liberais nas universidades brasileiras, salvo raríssimas exceções, era inconcebível. Hoje já podemos dizer que deslocamos a janela de Overton. Alunos inquietam-se com a leitura de pensadores austríacos e professores cada vez mais se deparam com perguntas sobre esta tradição de pensamento. O ambiente é outro e não é mais suficiente responder que se trata de heterodoxia ou de ideologia burguesa. O liberalismo chegou para valer na academia.
Alunos inquietam-se com a leitura de pensadores austríacos e professores cada vez mais se deparam com perguntas sobre esta tradição de pensamento. […] O liberalismo chegou para valer na academia.
Grande parte desse fenômeno se deve à ação descentralizada de grupos de estudo liberais em todo o Brasil. Pude ter prova concreta disso recentemente, quando assumi a coordenação do estado de São Paulo do Students For Liberty Brasil, e passei a contatar semanalmente os mais de 150 coordenadores locais do SFLB no estado. Os grupos são os mais diversos e suas atividades variam de palestras com auditórios lotados a grupos de estudo com cinco ou seis pessoas presentes. Independentemente de público, lá estão eles defendendo as ideias em que acreditam.
Nos últimos anos tive o prazer de participar de diversas iniciativas engajadas na defesa das ideias da liberdade no Brasil. Atualmente, além do SFLB, integro o Clube Caiapós, grupo de cultura e extensão da FEA-USP de Ribeirão Preto voltado para o estudo do liberalismo. Apesar de não serem marxistas as faculdades de Economia de tradição neoclássica, como é o caso da FEA-RP, o liberalismo não é nem de perto a doutrina dominante.
Não obstante, o Caiapós promoveu, há algumas semanas, a I Semana de Escola Austríaca de Ribeirão Preto (SEARP), evento que, claro, destoou, e muito, do matiz ideológico da universidade. Apesar de parecer um assunto muito específico para um nicho muito pequeno, o evento foi um sucesso. Foram cinco palestras e duas mesas redondas distribuídos em três dias de evento. Absolutamente tudo, de anarcocapitalismo ao fim da justiça do trabalho, foi discutido perante um público médio de 120 pessoas por dia.
No início deste ano, aliás, houve um acontecimento interessante. Enquanto promovíamos o Open Caiapós, evento em que receberíamos Kim Kataguiri, do Movimento Brasil Livre, para marcar o início de nossas atividades, uma professora da faculdade divulgou uma carta aberta de repúdio ao evento. Muitos, naturalmente, tomaram partido da docente. Contudo, isso não foi impeditivo para que o evento contasse com mais de 180 jovens, grande parte deles calouros, curiosos sobre as ideias da liberdade. Reações como a da professora são características do momento que vivemos. À época disse e aqui repito: grandes mudanças não ocorrem sem grandes resistências.
Os desafios, é claro, são imensos. A começar pela universidade em que o grupo está: há diferentes graus de liberdade de atuação. Nesse sentido, conhecer o público-alvo do grupo é muito importante: só assim será possível fazer boa divulgação e tratar do liberalismo com o devido enfoque. Além disso, a busca por parceiros, seja no meio liberal, seja entre empresários afeitos à causa, é fundamental para a consolidação e continuidade das boas iniciativas. Hoje ainda há um bônus, dado que é possível contar com bons meios que potencializam estas iniciativas no Brasil, como o Instituto Mises, o Students For Liberty e este Boletim da Liberdade.
Enquanto promovíamos o Open Caiapós, […] uma professora da faculdade divulgou uma carta aberta de repúdio ao evento. Muitos, naturalmente, tomaram partido da docente. Contudo, isso não foi impeditivo para que o evento contasse com mais de 180 jovens
Em geral, os liberais não tem noção do impacto de suas ações. A distância entre alguém se convencer da procedência de determinada ideia até se engajar na defesa das mesmas pode ser muito pequena. E mesmo que não seja o caso, o cultivo de um ambiente acadêmico mais plural, em que as ideias tenham identidade e não apelido, só rende bons frutos. É assim que a ciência, o mercado, a universidade a sociedade em geral evoluem.
Não é com uma única empreitada que se angaria uma legião de liberais. Este é um processo difícil, gradual, que evolve convencimento e reflexão. A maior virtude do movimento liberal, aliás, é justamente não se valer das mesmas práticas que os movimentos de massa tradicionais. Se o ideal do coletivismo só traz certezas a seus correligionários, o liberalismo leva seus seguidores a um árduo e reiterado exercício intelectual. A robustez de nossas ideias antecede qualquer discurso apaixonado.
Alguns anos se passarão até que a academia abandone o vício do coletivismo e a cultura do intervencionismo e passe a dar melhor trato à liberdade humana. E é somente com o trabalho contínuo dos grupos, ligas, clubes e instituto liberais, na academia e na sociedade em geral, via promoção de eventos ou grupos de estudos, que faremos com que a janela do debate político e econômico nacional continue avançando e nunca mais volte à sua posição original.
MARCELO LOURENÇO FILHO é estudante de economia da FEA-USP e coordenador estadual do Students for Liberty em São Paulo. Foi convidado a escrever esse artigo de opinião para o Boletim da Liberdade. E-mail: mlourenco@studentsforliberty.org