Se as ideias da liberdade estão se popularizando cada vez mais no Brasil, acompanhadas do desenvolvimento de um rico ecossistema de instituições e formadores de opinião alinhados a valores liberais, é porque um pequeno grupo de pessoas acreditou que isso seria possível e decidiu dar os primeiros passos para criar essa realidade. Entre elas, estão Roberto Rachewsky, empresário radicado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e que anos 1980 foi um dos fundadores do Instituto de Estudos Empresariais – organização que hoje é conhecida por empreender, anualmente, o Fórum da Liberdade, maior evento pró-liberdade do Brasil e um dos maiores do mundo.
Rachewsky, que também colaborou com a fundação do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul e, recentemente, com o Instituto Atlantos (onde é presidente do Conselho Deliberativo) conversou com o Boletim da Liberdade sobre sua trajetória e também sobre sua recente viagem à Havana, em Cuba – um destino no mínimo inusitado para quem defende as ideias liberais.
Ao longo da entrevista, Rachewsky compartilha sua percepção da ilha comandada pela ditadura comunista dos irmãos Castro, fala sobre elementos que fizeram o IEE tornar-se o que é e também sua identificação com o Objetivismo – corrente filosófica derivada da obra da romancista russo-americana Ayn Rand. Confira:
Boletim da Liberdade: Você esteve recentemente em Havana. Valeu a pena?
Roberto Rachewsky: Eu não tinha nenhuma intenção de visitar Cuba, ou mais particularmente, Havana. Eu sempre dizia que quem mora em Porto Alegre, cidade que foi governada pelos petistas por 16 anos, não precisaria ir para outro lugar para manter contato com uma sociedade cujo governo impedisse os moradores de viver suas vidas livremente.
Mas valeu a pena para saber como Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e o Brasil, em última análise, ficarão se não migrarmos urgentemente do coletivismo estatista em que nos encontramos para uma sociedade livre.
Interessante é que conosco iria um amigo, declaradamente comunista, que costuma viajar com o grupo de amigos ao qual me integrei e ele não quis ir. Talvez tenha sido o medo de enfrentar a realidade nua e crua que eu posso hoje afirmar, é cruel, implacável com qualquer um que não seja um alienado desprovido de objetividade e sensibilidade emocional.
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Boletim da Liberdade: Por ter um histórico público na defesa das ideias da liberdade, claramente antagônicas ao regime comunista, você ficou com receio de sofrer algum tipo de pressão ou supervisão na imigração ou durante a sua estadia? E você chegou a efetivamente perceber alguma situação anormal por causa disso, ou nada ocorreu?
Roberto Rachewsky: Todo mundo que me conhece sabe que eu não sou um cara que teme ameaças ou intimidações quando se trata de defender as ideias nas quais eu acredito por ter a convicção de que estão certas. É por isso que, por exemplo, eu fui fichado no DOPS durante o governo militar.
Na realidade, os cubanos que conhecíamos é que nos alertaram que eles próprios poderiam sofrer represálias pelas publicações que eu e o Winston Ling, que estava junto comigo, postávamos sem parar desde Havana. Com esse alerta paramos de postar e impedimos o acesso àquilo que já tínhamos publicado. Tão logo todo o grupo voltou ao Brasil, voltamos a publicar o material nas redes sociais.
Boletim da Liberdade: Em artigo publicado no Instituto Liberal, você afirmou que visitou escola, hospital, casas de família, entre outros locais que vão além dos pontos turísticos tradicionais. Como você conseguiu ter acesso a esses locais e qual foi a percepção que teve desses espaços e dos cubanos?
Roberto Rachewsky: A única visita agendada antecipadamente foi a do hospital. Chegamos no horário combinado mas por qualquer motivo eles haviam mudado de ideia sem nos avisar e não queriam nos receber. Foi preciso um pouco de persuasão para que nos recebessem. Fomos levados a um pequeno auditório onde eles fazem as reuniões de troca de turno. Quem nos atendeu foi um dos diretores do complexo. Um médico muito educado, culto e viajado. Sabia o que queríamos e foi bastante honesto na sua apresentação, falando das carências que eles têm e que são evidentes. Ninguém que se leve a sério pode negar.
Ele explicou aquilo tudo que já ouvimos inúmeras vezes, que é a atenção com a medicina familiar que da maneira como ela planejada permite ao médico fazer um trabalho preventivo, que engloba questões patológicas, psicológicas e ambientais. É claro que todos nós sabíamos que aquilo era o protocolo de apresentação e como queríamos visitar as instalações, não quisemos fazer questionamentos mais provocativos do tipo, como oferecer medicina preventiva para um povo que não possui água potável, saneamento básico, energia elétrica constante, refrigeração alimentar e acesso a tudo que é básico para uma boa formação física e psicológica.
No final nos convidaram a visitar a ala psiquiátrica que, segundo a sua diretora me disse quando perguntei qual escola eles seguiam, se de Freud, Lacan ou Jung, ela me respondeu que era a escola psiquiátrica soviética. Não é brincadeira.
Esse hospital havia sido construído antes da revolução, estava em reforma e apenas cerca de 200 dos 300 leitos estavam operacionais. Segundo o diretor da instituição, o maior problema era a falta de medicamentos, isso que segundo o protocolo cubano de saúde, a lista de medicamentos não passa de 750. Outra questão é a remuneração que é de apenas 25 a 30 dólares por mês, o que coloca um médico abaixo da linha de pobreza em qualquer lugar do mundo. É por isso que é comum encontrarmos alguns deles dirigindo táxis ou servindo em bares e restaurantes para garantirem a subsistência.
Boletim da Liberdade: De tudo o que você conheceu, o que mais lhe marcou e o que mais lhe surpreendeu?
Roberto Rachewsky: Sem dúvida alguma, a vida cotidiana em Havana. É um show de horrores. Ver pessoas com um grande potencial, educadas, simpáticas, bonitas, vivendo uma vida miserável porque uma gangue de inescrupulosos resolveu tirar-lhes desde a liberdade e até a dignidade é devastador para quem tem escrúpulos e alguma humanidade.
Havana é uma cidade que parece ter passado por uma guerra. Prédios esplendorosos se apresentam destruídos, são verdadeiras relíquias decrépitas, apinhadas de gente que não têm privacidade, que aprenderam a ser desconfiados da própria sombra porque vivem num país onde impera a coerção e o medo. Em Cuba, quem determina o propósito da vida de cada um é o governo. Quem não aceita isso ou tem que fugir ou acabará preso.
Boletim da Liberdade: Diante da sua experiência em Cuba, você acredita que o povo cubano já tem consciência dos malefícios do comunismo e, mais concretamente, do regime castrista? Ou, pelo contrário, os cubanos seguem alienados e não conseguem ainda estabelecer essa relação de causalidade com o regime que tem e a falta de liberdade e prosperidade?
Roberto Rachewsky: Com certeza absoluta os cubanos têm consciência do que é o comunismo e do que os ditadores que os governam são capazes de fazer. 80% das pessoas com as quais conseguimos manter contato nas ruas, no hotel, nos restaurantes e nas casas de família que visitamos, quando confiavam que não publicaríamos nada do que eles nos dissessem, eram taxativos: a revolução cubana, comunista, dos irmãos Castro e de Che Guevara, criara um inferno na terra.
Foi muito interessante. Numa das nossas caminhadas noturnas pela Habana Vieja, em breu quase total, eu ter encontrado por acaso, colado em um pilar de um das centenas ou milhares de prédios degradados, um pequeno anúncio de oferta de um apartamento que destacava, como um fator diferenciador, que aquela era uma “construcción capitalista“. Isso é para jogar por terra qualquer argumentação comunista de que os cubanos são anticapitalistas. Eles também sabem o que é bom e vêem valor nisso.
Boletim da Liberdade: Oficialmente, Cuba tem passado por um lento e gradual processo de abertura e melhoria no relacionamento com os Estados Unidos. Levando em consideração a sua passagem por Havana, acredita que esse processo de abertura é pra valer e pode significar, no médio ou longo-prazo, a possibilidade de libertar o povo cubano do comunismo?
Roberto Rachewsky: O governo cubano está perante um desafio. Não dá mais para segurar o povo em meio aquela desgraça. Decidiram então de alguns anos para cá liberalizar um pouco o regime. Desde 2011, é permitido – ainda que de forma muito limitada – o exercício tanto do direito de propriedade quando de livre iniciativa. Aos cidadão comuns, é possível manterem até duas propriedades, desde que uma seja de veraneio. Pequenos negócios, 100% privados, são legalmente aceitos. O turismo e a atração de capital estrangeiro para a criação de empresas de economia mista é a esperança do governo para seguir controlando o país sem deixar que a miséria se agrave ainda mais e surja uma oposição mais ferrenha.
O desafio que mencionei diz respeito também a como conciliar uma política na qual o governo paga 20 dólares a um empregado que trabalha em um hotel para uma companhia hoteleira, sendo que esta empresa paga ao governo 600 dólares para ter aquela pessoa a sua disposição. Esse problema é tão crítico que na reforma do melhor hotel de Havana, o Kempinski, a empreiteira francesa encarregada de reformar e revitalizar o prédio centenário onde ele iria ser instalado teve que trazer operários indianos ao custo de 1.200 dólares porque o governo dos Castro proibiu que pagassem aquele salário aos cubanos.
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Boletim da Liberdade: Você participou do processo de criação do Instituto de Estudos Empresariais, sendo vice-presidente da primeira gestão do IEE e, na seguinte, assumindo o posto de presidente. Hoje, o IEE organiza um dos principais eventos pró-liberdade do mundo, que é o Fórum da Liberdade. Vocês imaginavam que chegariam a esse ponto?
Roberto Rachewsky: Sabíamos que estávamos criando algo inédito e transformador, mas naquela época não imaginávamos a dimensão e a influência do IEE seria essa que se alcançou, principalmente através do Fórum da Liberdade. O IEE é a prova de que alternância no poder, princípios sólidos e um ideal construído com os pés no chão e a mente no futuro criam valor e transformam o ambiente em que se está inserido.
O IEE renova-se de tempos em tempos sem perder suas raízes. Eu, por exemplo, fui convidado a participar do Conselho Deliberativo há seis anos, porque havia uma apreensão da diretoria de que se estivesse perdendo alguns dos valores que tornaram o IEE uma trincheira contra o coletivismo estatista. Manter a renovação sem perder o vínculo com o passado que o moldou é importante para qualquer instituição. Acho que IEE tem sabido dosar esta estratégia.
O Julio Lamb, atual presidente, aceitou uma tarefa que vinha sendo arquitetada desde o início do IEE: transformá-lo numa instituição de formação acadêmica de nível internacional que vá além do grupo de associados. Vamos ver se isso prospera. Depois de ter fundado o IEE com o William Ling, participado das duas primeiras gestões, vi surgir o Fórum da Liberdade na gestão do presidente Carlos Smith. Fiquei mais de 20 anos afastado da entidade e voltei em 2011 para contribuir com a minha experiência e minhas convicções ideológicas. Estou relutante, mas acho que a partir do ano que vem cederei o meu lugar para alguém que tenha participado também da fundação da instituição e compartilhe comigo os mesmos ideais.
Não esqueçam que há dois anos fundei o Instituto Atlantos com jovens liberais para levar a nossa mensagem às universidades de Porto Alegre e, quem sabe em breve, do resto do país. O Atlantos está para os estudantes de nível superior como o IEE estava para os jovens empreendedores de então. Há muito a ser feito, por isso acho difícil parar de contribuir nessa luta pela liberdade.
Boletim da Liberdade: Levando em consideração a crise ética, política e econômica que o Brasil passou ao longo dos últimos anos, somado ao crescimento da popularidade das ideias liberais, existe a expectativa de que 2018 possa ser uma janela de oportunidade para os liberais na política. Como você enxerga esse cenário? Cogita concorrer ou endossar alguma candidatura?
Roberto Rachewsky: Eu não diria que o Brasil passou por uma crise ética, política e econômica nos últimos anos. O Brasil vem passando por ela de modo crônico há décadas. Nos últimos anos ela apenas se tornou aguda ao ponto de quase destruir o Brasil como sociedade, transformando-nos naquilo que Cuba há 60 anos e a Venezuela há dez se transformaram: verdadeiros campos de concentração.
A crise persiste porque o que a causa está impregnado na mentalidade da maioria da população. Não somos uma sociedade de seres racionais com mentes livres e independentes. Mas isso está mudando aos poucos desde a criação daquele conjunto de instituições liberais nos anos 1980, das quais eu tive o prazer de co-fundar duas, o IEE e o Instituto Liberal do RS, hoje Instituto Liberdade.
Eu nunca havia participado de política partidária, mas quando vi a iniciativa do [João] Amoêdo e recebi o convite do Fabio Ostermann [hoje, no PSL/Livres] para criarmos com outros amigos o núcleo gaúcho do que viria a ser o Partido Novo, resolvi aderir e me engajar. Cheguei a ser vice-presidente do diretório estadual. Mas como eu sou também presidente do Conselho Administrativo do Atlantos, e colocamos no estatuto que uma cláusula que impede que qualquer conselheiro ou diretor faça parte de algum partido político, optei pelo Atlantos. Não pretendo concorrer a cargo público algum, minha diversão é infernizar a vida de quem resolve fazer disso a sua profissão.
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Boletim da Liberdade: Você é muito ligado ao Objetivismo, corrente filosófica que tem na romancista russo-americana Ayn Rand seu maior expoente. Como surgiu esse interesse? Você acredita que as ideias de Rand podem se popularizar no Brasil, tal como ocorreu nos Estados Unidos com a popularidade de diversos livros dela?
Roberto Rachewsky: Meu contato com o Objetivismo se deu em 1987 com a leitura de A Revolta de Atlas, entitulado naquela oportunidade como Quem é John Galt?. Li o livro, que não é de fácil digestão, durante o feriado prolongado de Carnaval. Identifiquei ali muitas das ideias que eu já defendia. Interessante que nunca mais li o livro de novo porque parecia que as ideias de fundo que fizeram Ayn Rand escrever aquele romance já estavam na minha mente.
Logo depois, li A Nascente e A Virtude do Egoismo, publicações feitas pelo IL-RS e o IEE. Mas isso tudo há mais de 20 anos. Quando voltei ao IEE recentemente, a convite do Wilson Ling – os irmãos Ling estão em todas quando se fala em movimento liberal no Brasil -, aproveitei para difundir aquela que eu acho ser a [linha de pensamento] mais consistente para quem quer realmente defender uma sociedade baseada na realidade, na razão, no autointeresse e nos direitos individuais.
Ninguém, na minha opinião, defendeu essas ideias melhor do que Ayn Rand. Lembrem-se: o Brasil ainda não experimentou o iluminismo anglo-saxão, nossa cultura tem outra linha filosófica que nasce em Platão, passa pelo misticismo religioso, pelo positivismo racionalista, se aproxima mais do idealismo alemão até chegar ao marxismo. Aristóteles, Tomás de Aquino, John Locke, Thomas Jefferson ou Ayn Rand são pensadores exóticos para o brasileiro comum, supersticioso, coletivista e estatista. Os americanos foram educados com aquilo que os brasileiros não tiveram acesso. Trazer essas ideias para que os jovens vejam o lado que deu certo da cultura universal é uma missão que o Atlantos, por exemplo, se dispôs a levar adiante. Se o movimento liberal fizer isso como um todo, mudaremos o Brasil em uma geração.
Boletim da Liberdade: Muito obrigado pela entrevista e, por fim, perguntamos se você tem algum projeto para 2018 que possa adiantar ao Boletim da Liberdade.
Roberto Rachewsky: Meu projeto para 2018 é tornar realidade a publicação de três livros que estou escrevendo. Espero que eles possam servir de inspiração para os donos do poder que assumirão o governo em 2019. Muito obrigado pela oportunidade e parabéns pelo excelente trabalho jornalístico que vocês têm feito com o Boletim da Liberdade.
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