No calor das discussões políticas e, especialmente, eleitorais, é comum que os lados em disputa troquem acusações sobre as intenções do outro em promover políticas de direita ou de esquerda no governo. No dia a dia do Poder Executivo, no entanto, as bravatas se curvam à realidade: os políticos tradicionais se desdobram para não descumprir as obrigações legais e manobrar a gestão para manter o mesmo grupo no poder nas próximas eleições.
Em pesquisa apresentada no trabalho de conclusão de curso da graduação de Ciências Econômicas do Insper, o petropolitano Renan Toenjes – também administrador de empresas pela mesma instituição – traduziu em números essa hipótese e corroborou a constatação. Tendo como recorte a oferta de bens públicos na sociedade, as eleições de governadores de 2006 à 2014 e a análise comparada de como isso é afetado pela ideologia, governabilidade e a instabilidade política, Toenjes comprovou que – na prática – é a expectativa de poder que realmente impacta a oferta dos serviços públicos.
“Na segurança pública, concretamente, um aumento de um ponto percentual na probabilidade de o governo perder a próxima eleição geraria um aumento entre 2% e 3% na taxa de homicídios dependendo do cenário”, comentou, em entrevista exclusiva ao Boletim da Liberdade. Confira:
Boletim da Liberdade: Em sua pesquisa, você demonstrou que a instabilidade política influencia mais a oferta de bens públicos do que fatores como a governabilidade do poder executivo ou a ideologia. Como você chegou a essa conclusão?
Renan Toenjes: Antes de responder a sua pergunta, gostaria de esclarecer o que é um bem público e qual era a intenção da minha pesquisa. Bem público é um bem em que não é possível restringir o acesso de alguém a ele, e se esse alguém consumi-lo não impedirá outro de fazer o mesmo. O bem público clássico é o farol de um porto. Todos os barcos são guiados por esse farol sem impactar no consumo de outros.
Como todo mundo pode consumir sem custos, ele gera problemas de free-riding, ou seja, pessoas consomem o bem sem pagá-lo. No final, todos tentam fazer isso e o bem não é fornecido. Por isso, o governo normalmente fornece esses bens, pois o Estado possui mecanismos de forçar com que toda a sociedade arque com a operação deles por meio de impostos. Exemplos desses bens são defesa militar do país, segurança pública, saneamento básico, etc. Nem todos são bens públicos perfeitos, mas são próximos a um. Minha pesquisa buscou avaliar se e como as variáveis políticas, que impactam o governo, poderiam influenciar no fornecimento desses bens em questão.
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A conclusão [de que a instabilidade política é mais relevante do que a ideologia ou a governabilidade surgiu] a partir da utilização de regressões estatísticas utilizando dados ao longo do tempo dos 27 estados brasileiros. As regressões consideraram dados de 2006 a 2014 e variavam os modos de mensuração das variáveis políticas e alguma das variáveis de controle.
Nessas regressões, pude ver quais variáveis são estatisticamente relevantes, ou seja: quais têm magnitude o suficiente para não poderem ser considerados erros estatísticos. Assim, posso dizer que governabilidade e ideologia não foram relevantes em quase nenhuma das 20 regressões analisadas, porém a instabilidade política foi relevante em todos os casos. Na segurança pública, concretamente, um aumento de um ponto percentual na probabilidade de o governo perder a próxima eleição geraria um aumento entre 2% e 3% na taxa de homicídios dependendo do cenário.
Um aumento de um ponto percentual na probabilidade do governo perder a próxima eleição geraria um aumento entre 2% e 3% na taxa de homicídios dependendo do cenário.
Boletim da Liberdade: Ao longo de sua pesquisa, dentre as variáveis analisadas, estão o crescimento do PIB e a inflação tanto ao longo dos mandatos, como em anos eleitorais, e os respectivos desempenhos dos governadores durante suas campanhas. Como esses fatos se correlacionaram? Algo lhe surpreendeu?
Renan Toenjes: Os resultados sobre PIB e inflação de fato forneceram algumas surpresas. Achei que o crescimento do PIB nos anos anteriores a uma eleição de fato tinha efeitos como esperados. Um crescimento maior do PIB gera efeitos eleitorais positivos, aumentando a chance de um grupo se manter no poder. Porém, quando há um crescimento maior no ano da eleição, aumenta a chance do grupo político cair.
A variável inflação teve o mesmo curioso comportamento. Quanto maior a inflação no ano da eleição, aumenta a chance de um grupo de poder cair. Porém, se há maior inflação nos anos anteriores à eleição, diminui a chance de um grupo cair. Geralmente, se espera que inflação gere efeitos eleitorais negativos para os grupos de poder. A pesquisa mostra, porém, que isso é um pouco contraditório devido a interação das variáveis “PIB nos anos anterior x PIB no ano da eleição” e “Inflação nos anos anteriores x Inflação no ano da eleição”.
O que mais me surpreendeu, ao fim, foi que a reeleição não deu como algo estatisticamente relevante para que um grupo se mantenha no poder. Além disso, descobri também que o brasileiro de fato pune políticos com escândalos pessoais. No entanto, apesar de punir outros partidos envolvidos em escândalos nacionais, de 2006 à 2014 [período da pesquisa], o brasileiro médio não puniu o PT eleitoralmente, mesmo com efeitos do [escândalo do] Mensalão [eclodido em 2005] e do início da Operação Lava Jato [iniciada em 2014].
Quanto maior a inflação no ano da eleição, aumenta a chance de um grupo de poder cair. Porém, se há maior inflação nos anos anteriores à eleição, diminui a chance de um grupo cair. Geralmente, se espera que inflação gere efeitos eleitorais negativos para os grupos de poder. A pesquisa mostra, porém, que isso é um pouco contraditório
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Boletim da Liberdade: Um dos pontos trazidos no artigo é que grupos políticos que têm esperança em ficar mais tempo no poder tendem a investir em políticas públicas cujos resultados serão medidos à longo-prazo. O inverso também ocorreria. Ao mesmo tempo, sabe-se que um dos pontos fundamentais de uma democracia é a alternância do poder. Qual caminho deve ser feito para que a população possa se beneficiar de governos responsáveis que pensem no longo-prazo independendo da expectativa de poder?
Renan Toenjes: Essa questão remete bastante a discussão que estamos tendo agora sobre a rigidez do orçamento público, que resultou Desvinculação de Receitas da União (DRU). Boa parte do orçamento público é enrijecido, apesar de você poder ter diminuições de investimento aqui e ali. O jornal Nexo fez uma estimativa ano passado de que 87% da receita da União estava comprometida com despesas obrigatórias em 2015. Um argumento forte para enrijecer o orçamento parte dessa discussão que está na minha monografia. É preciso evitar que efeitos políticos impactem na oferta de serviços do Estado.
Ocorre, no entanto, que esse argumento esbarra na soberania do voto popular para escolher um governo com políticas que se adequem as suas preferências. A população pode pressionar por vinculações em um nível mínimo em áreas que tem efeitos de mais longo prazo, como saúde, educação e segurança. São bens que não são comprados em um mandato, demandam investimentos de longo-prazo para se conseguir resultados. A população deve insistir que o resto do orçamento esteja livre para que a democracia possa ter seu efeito, de alternância de poder e políticas públicas.
Boletim da Liberdade: Como foi a avaliação da banca examinadora do Insper para a sua pesquisa?
Renan Toenjes: Estou concorrendo ao prêmio de melhor monografia, indicado pelo meu orientador. Devo saber do resultado em março, quando ocorrer a colação de grau.
Boletim da Liberdade: Por fim, você pretende ampliar o desenvolvimento dessa pesquisa ou mesmo transformá-la em um livro?
Renan Toenjes: Tenho intenções de repetir a mesma pesquisa para outros bens públicos, como déficit orçamentário dos estados e possivelmente publicá-la em forma de artigo em alguma revista internacional de economia.
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