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O MBL na justiça: até onde vai a liberdade de expressão no Brasil?

Com base em dois casos concretos ocorridos com pessoas ligadas ao MBL, o Boletim propõe a discussão sobre até onde é livre a expressão no país
(Foto: Reprodução / Rádio Portuense)

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(Foto: Reprodução / Rádio Portuense)

A liberdade de expressão é consagrada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, além de um valor estabelecido em diferentes constituições ao redor do mundo. Geralmente, quando se toca no assunto, o foco é a liberdade da imprensa tradicional, tema constante nas discussões políticas, para o bem ou para o mal.

Afinal, para muitos teóricos e pensadores, desde as turbulências do século XIX, ela é uma espécie de quarto poder, acrescido à divisão clássica do francês Montesquieu. Uma força moderadora, vigilante, responsável por trazer até o povo o que os mais poderosos por vezes desejam manter escondido. Para alguns líderes populistas de diferentes matizes, um espaço controlado por certo número de conglomerados imbricados com o poder, prontos a sufocar esse mesmo povo que deveriam informar. Atualmente, para muitos liberais e conservadores, um feudo em que a “esquerda” predomina, fazendo avançarem agendas e menosprezando outras.

As circunstâncias, entretanto, como disse o pesquisador Pedro Burgos em matéria para a revista Época, fazem com que os veículos mais conhecidos não estejam mais sozinhos nessa função. Páginas liberais e conservadoras – inclusive este Boletim, um projeto peculiar de jornalismo voltado ao ecossistema pró-liberdade – são a prova da vitalidade que as redes sociais e a Internet ofereceram para o exercício da liberdade de expressão e a difusão de conteúdos. Pautas e temas que a imprensa tradicional jamais cobriria, e também, afora o jornalismo propriamente dito, uma notável variedade de pontos de vista alternativos agora chegam rapidamente ao conhecimento geral.

Movimentos populares, como o Movimento Brasil Livre, vencedor do I Prêmio Boletim da Liberdade como melhor organização do ano e protagonista nas manifestações contra a então presidente Dilma Rousseff, também se notabilizam entre esses novos atores. O próprio MBL tem mais de dois milhões de seguidores em sua página no Facebook. Até que ponto organizações e espaços como o MBL têm condições de ir para mobilizar a população? O que podem publicar? Até onde vai a liberdade de expressão no Brasil? O Boletim teve acesso a documentos de dois processos relativos ao MBL e a personalidades ligadas ao movimento. O conteúdo enseja a reflexão: como aqueles interessados na censura argumentam contra a publicação de algum conteúdo no Brasil? Que desafios uma organização como o MBL precisa atravessar para dizer “em alto e bom som” o que pensa? Até onde alguém é capaz de ir para calá-los?

O caso “Mamãe Falei”: 500 mil reais por uma entrevista 

Vídeo do canal Mamãe Falei (Foto: Reprodução / Youtube)

O primeiro caso diz respeito a Arthur Moledo do Val, dono do canal no Youtube Mamãe Falei. Do Val é conhecido por suas gravações em manifestações de rua ligadas a sindicatos ou partidos como PT e PSOL, em que consegue entrevistar os próprios militantes. O documento é uma contestação do MBL, enviada ao tribunal, solicitando a impugnação de um processo movido por uma mulher, cujo nome não está identificado, entrevistada por Do Val em seu canal.

O pedido é de danos morais e a autora exigia nada menos que 500 mil reais. Isso mesmo: 500 mil reais. O MBL argumenta ainda que ela solicitou o não-pagamento dos custos do processo, que também ficaria a cargo do réu, se fosse condenado. Que terrível crime justificaria esse nível de exigência? A autora acusava o MBL de ter feito uma foto – retirada da gravação da entrevista feita por Do Val -,  veiculando o endereço de uma notícia “supostamente desabonadora” a ela, e de “ter usado a função de ‘compartilhar’ do Facebook para que mais pessoas tivessem acesso a esse conteúdo.

A acusação “nada mais é do que o exercício legítimo e constitucional de crítica”, pontua o MBL. “A autora teve um entrevero” com Do Val, “que a entrevistava em via pública, em ato público” e, na ocasião, o teria ofendido, “chamando-o de ‘nazista'”. A organização também ressalta que a autora foi entrevistada por sua livre vontade, bastando a recusa para que não houvesse entrevista alguma. “Quem consente em dar entrevista, consente na veiculação da entrevista na mídia, por óbvio, ainda mais quando se trata de entrevista concedida em  manifestação pública”. Logo, segundo o movimento, não haveria qualquer abuso de seu direito de imagem ao veicular a foto.

Manolo Salazar, vice-diretor executivo do grupo Advogados pela Liberdade, comentou a questão ao Boletim: “É possível e lícito registrar e entrevistar pessoas, assim como suas manifestações públicas, contudo, não é possível afirmar que há consentimento automático para veiculação de imagem. É recomendável perguntar, de maneira clara, se o entrevistado concorda com os termos que serão reproduzidos”. Isso porque, na verdade, sobre o uso de imagem em atos públicos, “não há um padrão para todos os casos e cada situação deve ser analisada individualmente”. Porém, se “os limites legais de uso de imagem de terceiros encontram barreiras”, quando se trata de “declarações do próprio entrevistado, cabe apenas a autorização para exploração comercial, quando houver”. Não havendo, “deverá prevalecer o interesse público coletivo sobre o individual/privado, nos moldes do princípio da proporcionalidade”.

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Caetano Veloso, pedofilia e os tais “danos morais”

O segundo caso deu o que falar e envolve uma celebridade da música popular brasileira: o compositor e cantor Caetano Veloso. O artista já é conhecido por encrencar com liberais e conservadores. Já atacou Olavo de Carvalho e atribuiu ao próprio MBL um “pensamento autoritário” quando aconteceram as mobilizações contra a exposição do Queermuseu, acusada de apologia à zoofilia e à pedofilia. A causa de tudo foi, mais uma vez, uma postagem nas redes sociais.

O movimento havia publicado em sua página no Facebook uma arte satírica em que se lia: “Paula Lavigne perdeu a virgindade com Caetano Veloso aos 13 anos, quando o mesmo tinha 40 anos”. A arte continha uma montagem, com os rostos de Caetano e Lavigne, que hoje é atriz, empresária e também sua esposa, colados sobre um desenho de um homem nu cercado de crianças. Veloso se queixou de o post ter sido compartilhado por centenas de pessoas em dezessete horas, com mais de seis mil curtidas, incitando “comentários de mais puro ódio”.

O casal Veloso e Lavigne (Foto: Veja Rio)

A publicação é apontada justamente como uma retaliação às críticas feitas pelo compositor, junto a outros artistas, à postura do MBL contra a exposição do Queermuseu. Com isso, as “difamações, calúnias e injúrias” teriam sido feitas com vistas a constranger Caetano Veloso por suas opiniões.

No processo, o casal alega que o MBL infringiu o direito à imagem dos autores. “Ao fazerem a montagem da fotografia (…) sem a devida autorização, os réus violaram um dos direitos da personalidade dos autores”, argumentam. “Os réus têm o direito de manifestar suas opiniões e discordar da opinião do próximo. Os réus não têm o direito de perseguir, caluniar, difamar e/ou injuriar qualquer pessoa, menos ainda de incitar o ódio contra quem não concorda com suas políticas e pensamentos”. Diz ainda o documento que “sensacionalismo que não encerra caráter meramente informativo, mas ofensivo à honra” conflita com a liberdade de expressão.

O limite

No último dia 31 de outubro, o juiz Bruno Arthur Mazza Vacari Machado, da 50ª Vara Cível do Rio de Janeiro, decidiu obrigar o MBL a apagar a publicação, acolhendo a argumentação do casal Caetano e Lavigne. O fato, porém, é que eles, em momento algum, negaram o conteúdo de uma matéria publicada em 1998 na Folha de São Paulo, onde a própria Lavigne afirmou ter perdido a virgindade aos 13 anos com o compositor. [1] [2]

Mais uma vez: o que verifica uma ofensa à honra que mereça uma punição legal? Caetano Veloso pode ser chamado de pedófilo? Até onde o MBL poderia ir? Mais uma vez, Manolo Salazar, do Advogados da Liberdade, deu um parecer: se Lavigne disse a verdade, “a legislação vigente à época não deixava dúvidas e previa a conduta como crime de estupro com presunção de violência”. Porém, o crime seria “de ação penal privada”, demandando um processo da vítima ou de seus pais para ter consequências legais, o que não ocorreu. Desse modo, o crime teria prescrito, por coincidência, no mesmo ano de 1998 em que Lavigne o externou na entrevista à Folha.

Sobre as ações do MBL, Salazar afirma que “a legislação permite a publicação de sátiras e críticas, considerando que trata-se de declarações e posicionamento público de ambos. Contudo, a criação e promoção de expressões como a hashtag #CaetanoPedofilo, que circulou recentemente, caso comprovadamente associado ao MBL, poderia levantar o argumento de crime e ofensa a honra”.

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