Faço parte da turma de liberais criada, involuntariamente, por Dilma em 2014. Com suas trapalhadas e rompantes autoritários, ela ressuscitou um liberalismo que nunca tinha sido lá muito forte no Brasil. Fazendo tudo errado, nos fez enxergar o óbvio. Por ser muito estatista e centralizadora, polarizou com o extremo oposto, fazendo crescer inclusive as vertentes mais radicais do ecossistema pró-liberdade, como a Escola Austríaca de Economia e o anarcocapitalismo. Ou alguém aqui sabia o que era isso antes de 2014?
O mesmo movimento aconteceu com Bolsonaro. Quem era Bolsonaro há 30 anos, quando entrou na política? Ninguém relevante. Ficou assim por décadas, no semi-anonimato, sendo conhecido apenas no nicho que o elegia e o reelegia sucessivamente: os militares. Até que um dia deu uma declaração mais polêmica e foi “descoberto” pela esquerda escandalosa. Ganhou as alcunhas de fascista, racista, machista e homofóbico, rivalizou com nomes que até então eram muito maiores que ele, como Jean Wyllys e Maria do Rosário, foi processado, esculachado, hostilizado… e projetado. Cresceu exponencialmente, até virar presidente.
Quem elegeu Bolsonaro não foram as pessoas que, como eu, votaram nele no segundo turno por medo do PT. Foram o próprio PT e movimentos satélites que fizeram o favor de chamar atenção para um nome que ninguém conhecia e, logo depois, se encrencar em graves escândalos de corrupção. O que a população média concluiu: se o PT é corrupto, e a oposição ao PT é esse tal de Bolsonaro, então esse deve ser o certo da história. Depois ele se tornou “o único nome capaz de derrotar o PT”, tomou uma facada de um militante do PSOL… e o resto você já sabe. Bolsonaro deve sua eleição ao PT e à esquerda, de um modo geral.
E parece estar retribuindo o favor. Graças às suas trapalhadas (suas, de seus filhos e de seus ministros), falta de traquejo e articulação, declarações desastradas, medidas desconexas do que dizia defender (barreiras alfandegárias do leite e congelamento de preços do Diesel, por exemplo), “arregadas” e comportamento mais de militante que de presidente, o caminho inverso está se desenhando. A “anti-esquerda”, outrora unida a favor do impeachment, se dividiu entre os apoiadores, os críticos e os que preferem assistir de fora. Já a esquerda, que andava envergonhada de se assumir, por estar associada aos escândalos de corrupção, ressurgiu das cinzas, engrossou o tom e voltou, inclusive, a usar vermelho e defender o líder criminoso abertamente.
A “anti-esquerda”, outrora unida a favor do impeachment, se dividiu entre os apoiadores, os críticos e os que preferem assistir de fora. Já a esquerda, que andava envergonhada de se assumir, por estar associada aos escândalos de corrupção, ressurgiu das cinzas, engrossou o tom e voltou, inclusive, a usar vermelho e defender o líder criminoso abertamente.
Mesmo quem não defende o presidiário diretamente perdeu a vergonha de estar ao lado de uma placa “Lula Livre” na manifestação. Você pode tentar minimizar, dizer que a mídia está inflando os protestos, ou que é montagem. Mas a verdade é que “em nome de um bem maior” a esquerda está se mobilizando de novo. Assim como nos mobilizamos em 2015, estão deixando as diferenças de lado e se unindo. E para agregar mais gente, estão tomando para si pautas abstratas que não têm a ver com ideologia, como “melhorar a educação”, por exemplo. A narrativa é mais ou menos assim: “A direita é contra a educação e nós, da esquerda, somos a favor. De que lado você está?”. E aí uma multidão de incautos segue o bonde, sem saber que está servindo de massa de manobra para uma ideologia falida, que nunca deu certo em lugar nenhum do mundo.
Sim, eu sei que o corte/contingenciamento tem uma explicação e que gritar por direitos não vai fazer a Matemática mudar de ideia e aparecer dinheiro para investir em tudo o que é demandado. Entretanto, o problema do governo Bolsonaro é menos O QUE está sendo feito (até porque muito pouca coisa foi feita, efetivamente), mas COMO está sendo feito. Sempre ideologizando tudo, jogando para a plateia, elegendo inimigos (e nem precisa ser de esquerda para se tornar um inimigo ou um “traidor”), dando justificativas confusas, que mudam o tempo inteiro, e perdendo muito tempo e energia com pautas inócuas e secundárias, que acabam boicotando a pauta que deveria ser a mais importante nesse momento: a reforma da Previdência. Sem ela, os investimentos não vão voltar, os empregos não vão chegar e a economia não vai melhorar.
Sim, eu também sei que ser governo não é fácil e que é normal virar vidraça depois de eleito. Sei que a mídia adora um sensacionalismo e que tem muita histeria da esquerda envolvida nas polêmicas; mas convenhamos que o governo Bolsonaro está sendo bem generoso em dar munição. Não se chama a galinha, gritando “xô”, e por mais que tenha algum fundo de verdade, chamar os manifestantes de “imbecis” e “idiotas úteis” é tudo o que a oposição precisa para completar a narrativa.
O legislativo comporta – e até incentiva – personalidades como a de Bolsonaro, pois existe para representar nichos da sociedade; mas cargo executivo exige outra postura. Para ser um bom presidente, é preciso ter duas características básicas: capacidade de gestão e de articulação. E Bolsonaro não tem nenhuma das duas. Era apenas um cara com muitos fãs, que foi eleito para “derrotar a esquerda”. Só que nem isso ele está conseguindo fazer. Se Bolsonaro deve à esquerda sua eleição, a esquerda deve a ele sua ressurreição. Talvez um precise do outro para se retroalimentarem e continuarem vivos, mas do jeito que está, o mito vai sair dessa briga bem menor do que entrou.
“Ahá! Então você está arrependida do seu voto no segundo turno?”. Jamais. Sou contra o voto nulo, e votei em uma das duas opções que me deram. Faria de novo. Nada poderia ser mais perigoso do que ter de volta o PT no poder e é justamente por isso que estou tão preocupada com o que estou vendo acontecer.
Não é terrorismo dizer que viraríamos a Venezuela, pois o plano de governo de Haddad incluía reestatização de empresas já privatizadas, revogação da PEC do Teto, aumento de tributação, ampliação de ministérios, desapropriação de terras, controle da mídia e outras medidas assustadoramente socialistas e irresponsáveis, que a gente já sabe onde vão dar – e essa era apenas a parte que eles admitiam documentalmente. A Lava Jato estaria seriamente ameaçada e todo o nosso esforço teria sido em vão. O mito pelo menos tem Sérgio Moro e uma equipe econômica de excelência. Só falta tirar o pé do freio e deixar eles trabalharem. Parar de falar besteira e cortar a internet do filho Carluxo também ajudaria.
Por enquanto, serei paciente e, quando tudo isso acabar, estarei aqui pra perguntar: “Pronto? Já podemos tentar o liberalismo agora?”