O advogado gaúcho Paulo Uebel é um dos principais nomes escalados no dream team formado pelo ministro Paulo Guedes. Desde janeiro, ele responde pelo posto de Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia e tem empreendido esforços em uma série de medidas liberalizantes no país, como a MP da Liberdade Econômica.
Uebel não é, contudo, apenas um técnico pouco conhecido indicado por Guedes. Além de passagens de destaque na iniciativa privada (foi, por exemplo, General Manager da WeWork Brasil e CEO do LIDE) e na esfera pública (ex-Secretário de Gestão da Prefeitura de São Paulo), o executivo já participou, fundou e dirigiu relevantes institutos de viés liberal no país.
Entre 2008 e 2011, por exemplo, foi diretor-executivo do Instituto Millenium. Durante sua gestão, trouxe uma edição revista e traduzida de A Revolta de Atlas, obra clássica de Ayn Rand de grande impacto no movimento liberal. Depois, ajudou a fundar instituições como o Instituto de Formação de Líderes de São Paulo e Belo Horizonte, além do Instituto Líderes do Amanhã (no Espírito Santo).
Na entrevista concedida ao Boletim da Liberdade, Uebel fala sobre o problema da burocracia no Brasil, os impactos da Medida Provisória da Liberdade Econômica, bem como ideias e projetos de “governo digital”. O Secretário também revela sobre um novo papel que os cartórios poderão cumprir no futuro, bem como o impacto que o movimento liberal trouxe para a sua atual atribuição. Confira:
Boletim da Liberdade: Por que a burocracia é um problema tão relevante para a economia brasileira?
Paulo Uebel: A burocracia encarece o custo dos produtos e serviços. Ela encarece a geração de emprego, renda e oportunidades. Ela dificulta a vida das pessoas, principalmente dos mais pobres. E é um grande portal de acesso à corrupção. Quando você cria dificuldades, você ao mesmo tempo você está abrindo a possibilidade de vender facilidades. Ela também torna a administração pública mais pessoal. Na verdade, é contrária aos princípios da impessoalidade que a nossa Constituição impõe. Portanto, a burocracia atrapalha em todos os sentidos tanto na vida do servidor, que precisa ser obrigado a cumprir um monte de coisas, como na vida do cidadão, dos empreendedores.
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Boletim da Liberdade: Para atacar essa questão, isto é, da burocracia que afeta a impessoalidade, de que ela gera grandes ineficiências, quais seriam esses potenciais impactos da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que foi recentemente editada pelo governo? Como é que você percebe que essa MP pode melhorar o crescimento do país?
Paulo Uebel: Essa MP tem alguns pilares. O primeiro pilar é a boa fé do cidadão. A maior parte da população brasileira é composta por pessoas sérias, que cumprem a lei e que obedecem os procedimentos. A menor parte é composta por pessoas mau caráter, desonestas, fraudadores. Nós, portanto, devemos fazer as regras pensando na maior parte da população. Aquelas [pessoas] que são incorretas, aí sim, ter penas duras, punir, ir pra cima dessas pessoas.
Hoje, o governo federal não distingue as pessoas. Trata todos os cidadãos de forma burocrática, lenta, demorada. O objetivo dessa medida provisória é, portanto, obrigar o Poder Público a tratar as pessoas com boa fé. Se a pessoa tiver um histórico ruim, aí sim, você cria uma regra mais difícil para essa pessoa. Mas até ela provar que é desonesta, você trata ela com a presunção de boa fé e honestidade.
O segundo pilar da medida provisória é fazer o governo ter foco nas atividades que geram risco pra sociedade. O que significa isso?
Toda regulação, toda parte de licenciamento, toda parte de fiscalização, deve ser focada em atividades que geram risco à sociedade. Se não geram risco à sociedade, não tem razão de o Estado se meter, como fazendo um licenciamento ou dar uma permissão.
Portanto, o objetivo da Medida Provisória foi estimular que as áreas classifiquem as atividades de alto, médio e baixo risco. Aquilo que for de baixo risco, que deixe acontecer. Deixa as pessoas trabalharem e produzirem. Aquilo que for de médio ou alto risco, aí você coloca o peso regulatório, de licenciamento e fiscalização de forma proporcional a coibir os eventuais riscos à sociedade.
Outro pilar importante da Medida Provisória é trazer a questão de abuso regulatório. Muitas vezes, a regulação é usada de forma distorcida, como para barrar a competição, dificultar a entrada de novos competidores, favorecer determinados grupos, gerar privilégios, criar uma demanda artificial para um produto ou serviço. Esse é outro pilar importante: acabar com esse abuso regulatório.
Quanto à lei, tem que ser impessoal: é preciso tratar todos iguais perante a lei. Não pode favorecer grupos específicos. Ela tem que ter como objetivo melhorar o ambiente de negócios, criar mais concorrência, você ter um ambiente igual para a competição.
Outro pilar importante da MP é a questão de obrigar as áreas que produzem normas que vão impactar a sociedade a produzir uma análise sobre o impacto regulatório. Ou seja: trazer uma questão técnica para o caráter normativo. Por exemplo: se você quer criar uma norma para evitar acidentes, você deve medir o número de acidentes antes da norma e depois da norma, para saber se ela efetivamente produziu o seu propósito. Ou não: se está apenas aumentando o custo de transação, dificultando com algum tipo de absurdo regulatório.
Portanto, em linhas gerais, é isso aí. A medida visa facilitar a geração de novos negócios, de inovação, facilitar a competição e a entrada de novos players no mercado, bem como melhorar o ambiente para todos.
Muitas vezes, a regulação é usada de forma distorcida, como para barrar a competição, dificultar a entrada de novos competidores, favorecer determinados grupos, gerar privilégios, criar uma demanda artificial para um produto ou serviço. Esse é outro pilar importante: acabar com esse abuso regulatório
Boletim da Liberdade: A pasta que o senhor dirige também recebe o título de governo digital. O que significa essa expressão e o que se desenvolve nessa área?
Paulo Uebel: Uma das formas de se aumentar a eficiência do governo, aumentar a transparência, reduzir a burocracia e aumentar a efetividade das políticas públicas é fazendo uma transformação digital do governo. Mas o que inclui a transformação digital?
Inclui a transformação dos serviços que hoje são prestados de forma presencial ao cidadão para que sejam prestados de forma digital. Ou seja, o cidadão não precisa mais sair de casa: pelo celular, ele pode cumprir todos os objetivos que ele tem perante ao governo, as obrigações, os deveres, os pedidos para acessar benefícios sociais etc. É facilitar a vida do cidadão.
Outro ponto importante da transformação digital é interno: é você automatizar processos, é você criar interoperabilidade das bases de dados para reduzir fraudes e aumentar a eficiência e a eficácia das políticas públicas, é você ter uma identidade digital nacional, reduzindo os custos de transação para os serviços oferecidos online para o cidadão que quer poder ter um empréstimo, acessar um serviço da iniciativa privada poder ser facilmente identificado.
O governo digital, portanto, significa todo esse mindset, essa mentalidade e essas ferramentas do governo se relacionando internamente com outros entes da federação e com a sociedade civil e a livre iniciativa de forma digital. Todo mundo ganha: reduz a corrupção, aumenta a transparência, reduz custos para acessar serviços e benefícios. É uma mudança drástica seguindo as melhores práticas internacionais.
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Boletim da Liberdade: Com relação a essas medidas, como a MP de Liberdade Econômica, projetos de digitalização… em geral, esses procedimentos costumam enfrentar muitas resistências de grupos organizados, sobretudo no Congresso. Como contornar esse obstáculo?
Paulo Uebel: Nós temos procurado, em todas as nossas ações, mostrar dados, evidências, as melhores práticas internacionais para justificar essas medidas. Sobretudo, [mostrar] os benefícios que elas vão gerar para a população, principalmente para a de baixa-renda.
Todo recurso que a gente economiza na atividade-meio, aumentando a eficiência ou automatizando processos, são recursos que a gente vai poder investir na atividade-fim. Portanto, é muito inteligente, em termos de política pública, a gente economizar na atividade-meio e focar na atividade-fim.
O governo tem que seguir os exemplos mundiais de trabalhar como uma plataforma. Ele não precisa ser necessariamente dono do ativo, mas ele tem que ajudar a solucionar a vida das pessoas. Ou seja: se vai ser o governo que vai executar, ou vai ser um terceiro que vai executar, se vai ser executado no imóvel próprio do governo ou de terceiro, para o cidadão, no fim do dia, não importa
Ele quer ter um serviço acessível e de qualidade – e é isso o que nós queremos proporcional com essas medidas de desburocratização, melhoria de gestão e governo digital. Elas focarem nos cidadãos, no pagador de impostos.
Boletim da Liberdade: Além desses projetos de liberdade econômica e digitalização, o senhor vê outros projetos que gostaria de desenvolver relativo à desburocratização do país? Existe outra medida sendo encaminhada?
Paulo Uebel: Existe. A gente já tem trabalhado nas áreas sobre a revisão do estoque regulatório. Saber, primeiro, a quantidade de normas que nós temos. Avaliar a qualidade dessas normas. Verificar se essas normas têm atualidade, se estão alinhadas com as melhores práticas internacionais e também a necessidade dessas normas. Se não houver uma razão bem fundamentada para justificar, é preciso que haja uma grande revisão normativa para que seja reduzido o número de normas.
Hoje, existem normas em excesso e muitas delas não são observadas, o que prejudica a vida do servidor e do operador do direito, assim como do empreendedor. Nós precisamos passar por uma grande simplificação, o que é um processo lento e gradual, mas no governo temos tido uma boa interlocução com as áreas para poder fazer esse trabalho. Isso vai ser uma revolução em termos de estoque regulatório. Hoje o Brasil, infelizmente, está muito mal nos rankings internacionais que medem a qualidade regulatória do Brasil.
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Boletim da Liberdade: Existe algum trabalho, por exemplo, feito especificamente quanto aos cartórios? Alguma medida para reduzir a necessidade cotidiana de seu uso?
Paulo Uebel: Sim. Temos conversado muito com os cartórios, registradores e notários do Brasil. Já fizemos algumas medidas bem concretas sobre isso. Por exemplo, na Medida Provisória do registro empresarial simplificado, nós permitimos que advogados e contadores declarem a autenticidade dos documentos. As pessoas não vão precisar mais ir ao cartório: basta que o advogado dela, ou o contador dela, ateste a veracidade do documento.
A gente também tem trabalhado muito na digitalização dos serviços, também criando um login único com vários níveis de autenticidade. Hoje, você tem cinco níveis, um deles contendo o certificado digital – o mais rigoroso -, mas permitindo que o cidadão desenvolva vários serviços e atos perante o Poder Público que não necessariamente a autenticação por cartórios.
Por fim, nós fizemos um decreto instituindo o CPF como chave universal para acessar serviços e benefícios do Governo Federal. Ao permitir isso aí, grande parte das informações que o cidadão precisava comprovar antes por meio de cópias autenticadas, você não precisa mais fazer isso porque o Poder Público vai ter acesso a diferentes bases de dados que vão trazer essas informações.
Por fim, tem uma medida que já tinha sido tomada no governo passado e que a gente está simplesmente verificando e garantindo a implementação: ela permite que o próprio servidor autentique os documentos. Ou seja: o sujeito traz o [documento] original, traz junto a cópia, e o servidor público do governo federal olha e, se não tiver nenhuma inconsistência, ele mesmo autentica. Com isso, reduz-se custos para o cidadão e faz com que ele não tenha que ir em cartórios. São alguns exemplos.
O que a gente também tem trabalhado com alguns cartórios é um reposicionamento das atividades deles para que eles possam ajudar a desburocratizar. É possível. Eles podem, por exemplo, ajudar a ‘desjudicializar’. Hoje, [para solicitar] a separação judicial, não é preciso mais entrar em juízo – é possível fazer isso em cartório. É opcional, mas é um ganha-ganha: você reduz o tempo e reduz o custo. O que a gente está pensando é em outras medidas de ‘desjudicialização’.
Outra medida em que os cartórios podem ser parceiros nesse reposicionamento é de, em vez de ganharem recursos criando eventuais burocracias, é eles ganharem recursos com o Poder Público delegando determinados serviços para que eles possam realizar. Por exemplo, no recebimento de documentos públicos. Em vez de eu ter uma agência do INSS no pequeno município do interior que acaba custando caro, tanto pela manutenção do espaço como os servidores, eu posso usar um convênio com o cartório e ele pode lá no município receber pedidos de aposentadoria, etc. A gente tem trabalhado nesse sentido.
Boletim da Liberdade: Durante muitos anos, você participou de organizações de viés liberal do terceiro setor, como no caso do Instituto Millenium, Instituto de Estudos Empresariais, Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul, Instituto de Formação de Líderes e o Instituto Líderes do Amanhã. O que você levou dessa experiência para estar no governo com essa missão de liderar esses esforços de desburocratização?
Paulo Uebel: Todas essas organizações foram muito importantes na minha formação – isto é, para formar meus princípios e valores – e também para criar uma rede de relacionamento de pessoas que compartilham esses mesmos princípios e valores. Hoje, no meu trabalho, eu uso muito do meu conhecimento, dessa minha formação, dessa rede de relacionamentos, para avançar os projetos. Recebo muitas sugestões, ideias, projetos, ajuda. Quando eu tenho alguma dificuldade, aciono essas pessoas para contribuírem. Tem sido muito importante para mim.
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