15 de novembro é sempre um dia movimentado nas redes e espaços mantidos no ecossistema pró-liberdade. Liberais e conservadores travam, quase que como esporte, acalorados debates acerca das vantagens e desvantagens do evento histórico que ficou conhecido como “proclamação da República” e é, até hoje, um feriado nacional.
Consagrou-se a imagem, exibida até nas aulas de História de colégios por todo o país, do povo, na descrição do jornalista republicano Aristides Lobo, assistindo “bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava” à movimentação militar que determinou o golpe que depôs o imperador D. Pedro II e encerrou o regime político monárquico-constitucional.
A isso se seguiram seis Constituições – uma delas outorgada, as demais oriundas de Assembleias Constituintes -, diversos golpes militares e rupturas políticas, períodos de autoritarismo como a República da Espada, a ditadura do Estado Novo e o regime militar das décadas de 60 e 70 do século XX. O Brasil experimentou seu ingresso ao mundo das democracias de massa sob a égide do regime republicano – não de uma, mas de várias Repúblicas, incapazes de sustentar suas continuidades. Por enquanto, a Nova República, cristalizada com a Constituição de 1988, tem conseguido parar em pé, ainda que não sem sofrer marés de questionamentos e crises institucionais.
Em um desses momentos em que os poderes travam disputas fratricidas, em que o STF é chamado de ditador e algumas vozes se levantam pretendendo demolir mais uma vez todo o regime, o que há para comemorar no aniversário de 130 anos do desfile decisivo do marechal Deodoro da Fonseca? Há aqueles que nunca comemoraram. O Boletim traça, em matéria especial, um breve histórico de algumas referências, antigas e atuais, do movimento monarquista – a alternativa daqueles que continuaram a ver a Coroa como a grande destinação nacional.
O monarquismo diante da queda
A reação dos simpatizantes do regime derrubado começou logo após o golpe de 1889 e acompanhou os primeiros anos da República. Enquanto o imperador partia para o exílio com sua família, decidido a não resistir ao movimento republicano – que reunia uma fauna de tendências distintas, desde os constitucionalistas egressos do Partido Republicano de São Paulo da Convenção de Itu em 1870 até os positivistas alinhados a Benjamin Constant -, importantes personalidades, fiéis ao trono, demonstraram sua insatisfação com o ocorrido.
O engenheiro, abolicionista e inventor André Rebouças – um liberal influenciado por autores como Adam Smith e Jean Baptiste Say – não quis deixá-los partir sozinhos. Indignado com o golpe, partiu para o exílio juntamente com a família real. Já Joaquim Marques Lisboa, o almirante Tamandaré, ícone da Marinha – um importante reduto monarquista – demonstrou seu monarquismo até no testamento.
Ao morrer, em 1893, o icônico militar deixou registrado: “Não havendo a Nação Brasileira prestado honras fúnebres de espécie alguma por ocasião do falecimento do Imperador, o senhor D. Pedro II, o mais distinto filho desta terra, tanto por sua moralidade, alta posição, virtudes, ilustração, como pela dedicação no constante empenho ao serviço da Pátria durante quase 50 anos que presidiu a direção do Estado, creio que a nenhum homem de seu tempo se poderá prestar honras de tal natureza”. Exigiu um sepultamento modesto, em protesto contra o tratamento republicano ao monarca, falecido em 1891.
Outro importante monarquista, também decisivo na abolição, foi Joaquim Nabuco. O parlamentar de Recife, que se declarou identificado com o liberalismo britânico, acreditava que o regime monárquico vigente no Brasil era suscetível de reformas e transformações e era a verdadeira “República”, porque era o sistema capaz de envolver os brasileiros no sentimento de valorização da coisa pública.
“Ainda não temos povo, e as oligarquias republicanas, em toda a América, têm mostrado ser um terrível impedimento à aparição política e social do povo” lamentava Nabuco, conforme transcreve o professor Christian Edward Cyril Lynch em seu trabalho “O Império é que era a República: a monarquia republicana de 1889”. Para o ilustre recifense, “conservar a nossa tradição monárquica” era preferível “a tentar com a unidade nacional uma experiência sociológica”.
Outra figura de relevo foi o gaúcho Gaspar da Silveira Martins – justamente o grande desafeto do marechal Deodoro, cujo temor de que ele alcançasse relevo no próximo gabinete ministerial foi um dos motivos para a proclamação da República. Líder dos liberais parlamentaristas na luta contra os seguidores do autoritarismo de Júlio de Castilhos no Rio Grande do Sul, na primeira Revolução Federalista, Martins chamava os republicanos de “ditadores comteanos” e chegou a tentar convencer a família real a retornar ao Brasil e resistir ao regime.
Os “Fastos da Ditadura Militar”
Soma-se aos demais nomes um importante intelectual público do monarquismo brasileiro, Eduardo Prado. Membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, ele usava o pseudônimo “Frederico de S.” e era amigo do Barão do Rio Branco, outro conhecido entusiasta da monarquia que, no entanto, se celebrizou como diplomata servindo ao regime republicano.
Com um título que, lido hoje, poderia fazer o leitor brasileiro pensar que veria algo sobre os governos Médici ou Geisel, ele publicou, reunindo uma série de artigos originalmente lançados na Revista de Portugal por intermédio do escritor português Eça de Queiroz, a obra “Fastos da Ditadura Militar”.
Crítico dos Estados Unidos e do regime republicano, Eduardo Prado resume em seis partes os motivos de sua revolta com o que considerava ser a tomada do poder por militares afeiçoados à prática dos pronunciamentos políticos, seduzidos pelo Positivismo de Augusto Comte, e por liberais republicanos que abriram mão de seus princípios liberais para se fazerem cúmplices de inúmeras práticas de censura e perseguição para efetivar a República e sufocar os monarquistas.
Prado chama o presidente Deodoro da Fonseca de “generalíssimo ditador”, acusando-o de ser patrimonialista, nepotista e descontrolado. Na mesma toada, o ministro e teórico Benjamin Constant é visto como covarde, que jamais arriscou a vida em qualquer batalha e que desvirilizou o Exército. Não sobram ataques a republicanos e liberais que acabaram se associando ao regime nascente, como Quintino Bocaiúva e Rui Barbosa.
O patrianovismo
Apesar de a monarquia brasileira ter sido constitucional e inspirada no liberalismo político e institucional do século XIX, existiu no Brasil um movimento monarquista decididamente antiliberal no século XX. Foi o Patrianovismo, mobilizado pela Ação Imperial Patrianovista Brasileira.
Esse movimento não reivindicava plenamente a restauração do regime inaugurado com a Constituição de 1824, mas se inspirava nas ideias nacionalistas e corporativistas das décadas de 20 e 30, na atmosfera internacional que levou à ascensão do fascismo. Seu idealizador era Arlindo Veiga dos Santos, poeta e escritor católico que chegou a travar contato com os integralistas.
A ideologia patrianovista propunha o abandono do liberalismo e a adoção de uma monarquia “tradicional”, “orgânica”, apoiada na religião oficial católica e nas corporações de ofício. A religião seria obrigatória em todos os institutos de ensino e espaços públicos, a administração seria de base municipalista e sindicalista. O Chefe da Casa Imperial na época e herdeiro do trono de D. Pedro II, Pedro Henrique de Orléans e Bragança, teve contato com o movimento patrianovista.
Curiosamente, Arlindo Veiga era um líder do movimento negro e seria um dos fundadores, em 1931, da Frente Negra Brasileira, associação que virou partido e foi fechada pelo Estado Novo. O movimento reunia tradicionalistas e nacionalistas religiosos como Arlindo e socialistas como José Correia Leite.
Monarquismo hoje: nas ruas e no poder
A história de contestações ao regime republicano ganhou novo capítulo nos dias atuais, em que o movimento monarquista ganhou presença nas redes sociais e nas ruas. Nas principais manifestações de rua desde 2015, geralmente combatendo a esquerda e o Partido dos Trabalhadores, a bandeira monarquista invariavelmente está presente, geralmente ostentada por jovens que se identificam com o ideário.
Muita coisa mudou desde que, em plebiscito realizado em 1993 para escolher a forma de governo do Brasil, a monarquia recebeu apenas 13,4% dos votos. Existem círculos monárquicos ao redor do país e um encontro de simpatizantes da causa é realizado anualmente no Rio de Janeiro. A maioria dos monarquistas brasileiros reconhece como herdeiro do trono o Chefe da Casa Imperial, D. Luiz Gastão de Orléans e Bragança, trineto de D. Pedro II.
Entretanto, é seu irmão, D. Bertrand de Orléans e Bragança, quem se destaca na propaganda da ideia. Profundamente religioso, ele acredita que Deus ajudará os monarquistas a obter a vitória e restaurar o regime fundante do país. Sua presença é garantida em diversos produtos consumidos por liberais e conservadores, como os filmes da produtora Brasil Paralelo.
O detalhe mais chamativo é que os monarquistas chegaram ao poder – ao menos, ocupam cargos públicos e contam com importantes influenciadores entre seus nomes mais ilustres. O caso mais emblemático talvez seja o deputado federal eleito pelo PSL de São Paulo, Luiz Philippe de Orléans e Bragança, integrante da família real e que chegou a ser cotado para ser vice-presidente na chapa eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Sobre o 15 de novembro, ele publicou em seu Twitter: “Quando a data de hoje pesar na consciência nacional, será o dia em que teremos o que comemorar”.
Quando a data de hoje pesar na consciência nacional será o dia em que teremos o que comemorar.
— Luiz P. O. Bragança (@lpbragancabr) November 15, 2019
O deputado federal e jornalista Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), que se destacou como proponente da extinção do imposto sindical, também é abertamente monarquista. Ele criticou uma publicação do vice-presidente Hamilton Mourão celebrando a República, alegando que “não há o que comemorar”.
Já o comentarista, cientista político e escritor Bruno Garschagen, que chegou a trabalhar no Ministério da Educação, autor dos livros “Pare de acreditar no governo – por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o Estado” e “Direitos máximos, deveres mínimos: o festival de privilégios que assola o Brasil”, ambos pela editora Record, sentenciou: “não compreendo a celebração da mentira que se convencionou chamar “proclamação da República”‘.
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