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Calero: ‘A Lei Rouanet é a iniciativa mais liberal que existe em incentivo à cultura’

Boletim conversou com o deputado federal Marcelo Calero (Cidadania/RJ), membro da Bancada da Liberdade do Livres; na entrevista, Calero defendeu a estabilidade do servidor e se rotulou como liberal-progressista
Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

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Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

O deputado federal Marcelo Calero (Cidadania/RJ) ficou conhecido nacionalmente quando, em 2016,  ainda como ministro da cultura, revelou o primeiro escândalo do governo Michel Temer. O diplomata de carreira, que deixou o Itamaraty para dedicar-se à vida pública, denunciou que sofreu pressão, inclusive do presidente, para liberar uma obra que favoreceria o colega ministro Geddel Vieira Lima, em Salvador/BA.

Em 2018, Calero candidatou-se pela segunda vez para deputado federal. Disputando pelo PPS (atual Cidadania) e dobrando com uma das principais lideranças e hoje presidente do Livres, Paulo Gontijo, no Rio de Janeiro, pulou de 2.252 votos (em 2010) para 50.533 votos, elegendo-se para seu primeiro mandato parlamentar.

Em entrevista concedida em seu gabinete, em Brasília, Calero conversou com o Boletim da Liberdade para mais uma entrevista da série Perfil.

Ao longo da conversa, o parlamentar se rutulou como um “liberal progressista” e afirmou que “seria de um centro autêntico”. Calero também classificou a Lei Rouanet como um programa liberal de incentivo à cultura, defendeu a presença do Estado no assunto e advogou que não deve ser mexida na estabilidade do servidor público. Confira a íntegra abaixo:

Boletim da Liberdade: Você é diplomata, uma carreira de Estado, e passou para política sendo secretário (no Rio) e depois ministro da cultura. O que o motivou a ser deputado?

Marcelo Calero: Acredito que há vários fatores que contribuíram para isso. Primeiro, há essa vocação para servir na administração pública, isso vem sempre muito forte em mim, não é à toa que escolhi a carreira pública, fiz outros concursos antes do Itamaraty. Depois, [veio] a certeza que no momento que você se torna um agente político eleitoral e não simplesmente um agente político, você consegue ser um protagonista dessa transformação que o Brasil tanto precisa e que tanto almejamos de uma maneira mais efetiva. Então apresentar meu nome [à sociedade] veio nessa esteira, desse entendimento, de que sim: eu tenho vocação para a administração pública e, sim eu acho que a gente consegue mudar o Brasil por meio da política e sim, eu me acho vocacionado para essas duas tarefas. Foi uma combinação, na verdade.

“Apresentar meu nome [à sociedade] veio nessa esteira, desse entendimento de que sim: eu tenho vocação para a administração pública e, sim eu acho que a gente consegue mudar o Brasil por via da política.”

Boletim da Liberdade: Você fez duras críticas na Câmara dos Deputados ao discurso do presidente da República na ONU, chegando a dizer que foi abominável. Quais os principais pontos que você repudia?

Marcelo Calero: Eu acho que um presidente da República tem que fazer um discurso de estadista. Ele foi alçado àquela posição para pensar em nível macro. Eu sempre costumo fazer um paralelo em relação ao meu trabalho, [tanto] quando era secretário de cultura, na Prefeitura do Rio, [como também] quando fui ministro de Estado. Na secretaria de cultura, nós tínhamos essa visão muito local e, ao mesmo tempo, de ações muito imediatas. Era a reforma de um teatro, era um programa de fomento, ou seja, coisas muito concretas e nós acompanhávamos do inicio ao fim. Quando se é ministro, não [é assim]. Em geral, pensa-se em diretrizes que devem ser seguidas por determinadas políticas e o resultado disso costuma ser até mais demorados, no ponto de vista cronológico, e, também, menos palpável por regra.

Então um Presidente da República não deve se prestar ao papel de ficar fazendo crítica direta a determinado setor, como fez, e a determinado país, como ele também fez. Primeiro, isso não faz parte da tradição brasileira e, segundo, você traz para si um peso, um ônus, e quem faz crítica está sujeito a elas também, quem faz críticas acaba minando pontes, que me pareceu destoante daquilo que o Brasil precisava neste momento, de recomeço.

Todo início de governo é um começo e era o primeiro discurso dele na ONU, então ele se prestar a fazer ofensas diretas a figuras como o [cacique] Raoni – e não discuto se o Raoni é bom ou ruim e se tem ou não interesses – é muito pequeno. Então foi ‘abominável’ no sentido que seu discurso legitima certas ações seja contra o meio ambiente, seja a favor do armamento da população, ações de violência, e, com isso,  acaba legitimando uma retórica agressiva, no meu entender. E mais do que isso: acaba apequenando a sua figura como presidente e, depois, acaba apequenando o próprio país.

“Então foi ‘abominável’ [o discurso] no sentido que seu discurso legitima certas ações seja contra o meio ambiente, seja a favor do armamento da população, ações de violência, e, com isso,  acaba legitimando uma retórica agressiva, no meu entender. E mais do que isso: acaba apequenando a sua figura como presidente e, depois, acaba apequenando o próprio país.”

Marcelo Calero (Foto: Reprodução / Agência Brasil)

Boletim da Liberdade: Você participa do Livres, que se rotula como liberal, e em 2010 foi do PSDB. Como você se considera ideologicamente no aspecto político? De fato um liberal?

Marcelo Calero: Sou um liberal progressista. Acho que nessa paleta de esquerda, direita e centro, eu tenho dificuldade de me encaixar nisso. Eu seria de um centro autêntico, digamos. Acho que se a gente pegar os conceitos clássicos que estão na direita e na esquerda. Vejo que o PSDB foi, a certa altura, uma alternativa liberal muito forte – eu fui nove anos do PSDB. Há aqueles liberais que pensam mais na retirada do Estado em certos segmentos, há aqueles que se preocupam mais com a questão da eficiência, há aqueles que se preocupam mais com as liberdades individuais.

É claro que você tem um arcabouço mínimo: você nunca vai ver um liberal, mesmo que esteja mais focado nas liberdades individuais, aceitando e defendendo a criação de uma empresa estatal; mas, você pode ver um liberal aceitando mecanismos nos quais o Estado participe com algum tipo de incentivo. Não é incompatível. Porque o liberalismo tem que ser pensado de acordo com as circunstancias do país onde está sendo aplicado. Uma coisa bacana do Livres é a nossa capacidade de enxergarmos a questão do individuo seja para defender sua liberdade por inteiro, o que é absolutamente inédito, seja de para a gente pensar a necessidade, por exemplo, de nós urgentemente tocarmos a questão das desigualdade sociais do Brasil.

Acho um erro, muitas vezes, quando alguns liberais sem entender o conceito se sentem desconfortáveis em defender uma questão como essa por acharem que se trata de uma bandeira de esquerda. É contrário: a liberdade do indivíduo só se conquista com sua liberdade econômica, quando ele tem autonomia do seu fazer, em que toda a sua potencialidade tem que ser aproveitada. Você pensar o liberalismo, no Brasil, onde temos uma herança escravocrata, uma herança do latifúndio e da oligarquia e pensar da mesma maneira como se pensa o liberalismo nos EUA, não tem como, cada país tem a sua trajetória. Mas o arcabouço mínimo tem que estar presente nas nossas ações e no nosso pensamento. O que eu acho bacana no Livres é a capacidade que a gente tem de absorver essas diversas nuances de ênfase que cada um busca dar diante desse arcabouço. É como a Igreja Católica, que é uma instituição una, mas plural. Ou seja: não apenas em relação à diversidade de pensamento que existe dentro da Igreja, mas ao fato de que existem várias igrejas particulares mas que continua sendo a Igreja Católica.

“Uma coisa bacana do Livres é a nossa capacidade de enxergarmos a questão do individuo seja para defender sua liberdade por inteiro, o que é absolutamente inédito, seja de para a gente pensar a necessidade, por exemplo, de nós urgentemente tocarmos a questão das desigualdade sociais do Brasil.”

Boletim da Liberdade: Muitos liberais repudiam a utilização de dinheiro público em projetos e patrocínios a entidades privadas. Assim sendo, qual sua opinião sobre a Lei Rouanet e outros incentivos culturais?

Marcelo Calero: A gente tem que se lembrar sempre de uma coisa: a Lei Rouanet é a iniciativa mais liberal que existe em incentivo à cultura. A cultura é uma indústria intrinsecamente deficitária e em todos os lugares do mundo existe subsídio, inclusive nos Estados Unidos e no Reino Unido. Existe subsídio tanto para como incentivo à produção quanto para a custódia de bens culturais, que nessas categorias entram museus, por exemplo. Todos esses museus de Nova Iorque, por exemplo, que a gente adora, todos eles tem uma rubrica governamental. Há um custo muito alto de se manter sob custódia bens culturais.

O Museu do Amanhã, por exemplo, se fosse cobrado o preço que deveria ser, o ingresso seria 100 reais. Então você tem dois valores que precisam ser sopesados. O valor da universalização do acesso e o valor do custo daquele equipamento. Para você compatibilizar o custo do equipamento com a necessidade de compatibilização do acesso a bens culturais, você precisa ter o Estado como interventor. Da mesma forma a Lei Rouanet: é um mecanismo liberal, pensado em um momento liberal da nossa economia, porque você tem a ausência do Estado como patrocinador, participando do mecanismo como regulador somente.

Mas o mecanismo era previsto em três escalas: o Fundo Nacional de Cultura, o Ficart e o Mecenato. Mas só o Mecenato foi pra frente. Para quem não sabe, o Ficart foi como um título de crédito.O produtor cultural iria vender e você como investidor iria comprar a participar dos lucros. O Rock in Rio, por exemplo, utilizaria o Ficart – porque, pela sua natureza, tem lucro. Hoje em dia, [o Rock in Rio] nem usa mais o Mecenato. Mas ele poderia usar o Ficart. E o Fundo Nacional de Cultura seria justamente para aqueles projetos menores, que estão começando, onde você necessita daquele investimento em que você precisa de outro valor que é inerente à cultura, que é o valor civilizatório.

A cultura tem que ser preservada  porque diz respeito diretamente à sua trajetória enquanto civilização. No Brasil, costuma-se dizer que somos um país sem memória, mas como podemos preservá-la sem a presença do Estado? É impossível. Tem uma área particular, que sofre muito com essa ausência de investimento, que é a área do patrimônio. Aí entra algo que a gente precisa melhorar muito no Brasil que tem tudo a ver com o liberalismo – é a participação do capital privado na área do patrimônio.

“A cultura tem que ser preservada  porque diz respeito diretamente à sua trajetória enquanto civilização. No Brasil, costuma-se dizer que somos um país sem memória, mas como podemos preservá-la sem a presença do Estado? É impossível.”

A gente vê isso acontecendo em Portugal, por exemplo: o número de conventos e prédios históricos que foram transformados em hotéis, complexos de restaurantes e tudo mais, e aqui no Brasil a gente ainda engatinha nisso. No frigir dos ovos, acho que a gente tem que avançar muito nessa agenda liberal na pauta da cultura, mas a presença do Estado sempre vai se fazer necessária. Seja por meio de algum mecanismo de incentivo ao investimento, seja por meio de investimentos diretos, porque é uma indústria intrinsecamente deficitária. Ela concentra em si valores que estão para além de estritamente econômicos, porque tem a ver com valores de memória. A diferença é basicamente essa.

Deputado Federal Marcelo Calero (Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Boletim da Liberdade: Qual sua avaliação geral sobre o governo Bolsonaro e qual nota daria?

Marcelo Calero: Pergunta difícil. Bolsonaro começa errando quando ele governa pelo fígado, ele governa recheado de remorso, de ressentimento, pela cachotas que ele foi alvo, pela descrença que ele foi alvo. Então ele vê a Presidência como um lugar onde ele pode se vingar, uma vingança pessoal. A partir disso, passa a adotar o seu capricho e as suas agendas pessoais em detrimento da agenda estadista. Nós precisávamos, urgentemente, de um Brutus, um dos fundadores da república romana. Ele mandou matar os filhos, que conspiraram contra a República, no entendimento de que todos estão sujeitos à lei. Nada deve se sobrepor ao interesse da República. Nenhum de interesse de ordem pessoal deve se sobrepor ao interesse. Então se o meu filho conspira contra a república, ele deve ser julgado como um outro qualquer. O que eu quero dizer com isso é que o Bolsonaro tem sido a antítese disso, tendo colocado interesses pessoais e familiares à frente. Parece que o Brasil inteiro virou refém das disputas políticas e familiares do Bolsonaro.

Com isso, você tem a fragilização de diversos compromissos que haviam sido assumidos durante a campanha, a começar pelas instituições. Houve intervenções na Receita, na Polícia [Federal], no IPHAN, enfim. Em vários lugares onde se buscava justamente preservar o trabalho de combate a corrupção para que pudesse ter continuidade. Algumas coisas são inexplicáveis, como a  intervenção para mudar o delegado da Receita Federal em Itaguaí. Coisas escrabosas, como aquela disputa que teve com o [Ministro da Justiça] Sérgio Moro para ver quem comandava a Polícia Federal.

Tudo isso em nome de quê? Para o Flávio não ser investigado? Qual é o sentido disso? É muito frustrante. Porque esse é um momento de recomeço. Aí a gente a vê aquela velha prática de intervenção em órgãos públicos, em instituições, em nome de interesses particulares. Esse ataque pessoal, vulgar, seja ao pai do Tico do Santa Cruz, seja à esposa do Macron, e depois [a justificativa de que] a espontaneidade conflita com a liturgia [do cargo]. Mas é possível ser espontâneo sem desrespeitar a liturgia do cargo. A liturgia tem muito mais que ver com a responsabilidade de que qualquer fala sua vai repercutir de um jeito diferente por ser presidente da República.

Depois, vem o número de conflitos que é criado. Nós estamos vivendo uma polarização há 16 anos, desde que o PT chegou ao poder e começou essa história, de polarizar, eles e nós. Ele [Bolsonaro] continua nessa mesma retórica. Até intensificando essa narrativa. Ele é um presidente conflituoso. Depois vem a questão do partido, da falta de articulação na Câmara e no Senado. Se não fosse o Rodrigo Maia, a gente estava perdido. Para completar, há os ataques à existência científica, como os ataques a instituições como o IBGE e o INPE. É uma agenda obscura ideológica. O que a gente vê é um petismo de sinal trocado, inclusive em relação a radicalismos e práticas políticas.

Esse é um todo que atrapalha muito a agenda econômica, por exemplo. Temos 13 milhões de desempregados, é preciso criar emprego pra essa gente. Esse conjunto de ações políticas muito ruins acaba afetando a velocidade do crescimento econômico. Então se a gente tivesse um presidente magnânimo, que entendesse que já acabou a eleição, que buscasse uma conciliação nacional – mas sem abrir mão dos seus valores -, que escolhesse muito bem as brigas que comprasse, que procurasse ter uma visão mais diversa do Brasil – e não essa visão de que as maiorias precisam massacrar as minorias -, então eu tenho certeza que o ambiente econômico estaria muito melhor.

Eu acho que ele acerta, com ressalvas, na economia. Ele traz uma pauta liberal. E porque eu digo com ressalvas? Porque muitas dessas pautas, eu entendo, não estão contextualizadas para a realidade brasileira e, mais do que isso, a comunicação dela é muito ruim. O que acaba colocando a perder toda uma estratégia. Na reforma da previdência, a comunicação foi péssima. Falar de capitalização em meio a tantos traumas não era necessário. Vamos resolver, começar pelo básico. Vamos resolver aquilo que nos levava ao caos, ao colapso, e depois vamos fazer, adotar, não nesse governo, políticas não só para tirar do colapso, mas para trazer o superávit. Só que não: é um atropelo, uma falta de comunicação, enfim. Então eu acho que ele acerta na economia, acerta na infraestrutura. Tenho um apreço pessoal ao ministro Sérgio Moro, mas acho que ele erra ao se aproximar do perfil do [ex-ministro do governo Lula] Marcio Tomaz Bastos, de ser um advogado do governo e não ministro da justiça, é ruim para a imagem dele, mas eu vejo muita preocupação. Acho que há uma marcha autoritária em curso sim. Não vejo a democracia a sobre risco, mas há um viés autoritário que está se espraiando pela administração pública. A gente vê isso nas ações de censura que estão acontecendo. A gente não pode se acostumar com isso em primeiro lugar, nem justificar que “ah, a economia está indo bem”. Isso é cruel. Pelo autoritarismo, eu daria uma nota zero [ao governo Bolsonaro], porque acho que a gente não pode brincar sobre isso.

“Eu acho que Bolsonaro acerta, com ressalvas, na economia. Ele traz uma pauta liberal. E porque eu digo com ressalvas? Porque muitas dessas pautas, eu entendo, não estão contextualizadas para a realidade brasileira e, mais do que isso, a comunicação dela é muito ruim. O que acaba colocando a perder toda uma estratégia.”

Boletim da Liberdade: Como diplomata, qual sua opinião sobre indicações políticas nos cargos do Itamaraty no exterior? 

Marcelo Calero: Olha, eu acho que esse ataque ao Itamaraty faz parte aos ataques que ele faz às demais instituições, vide as explicações dadas para a indicação do Eduardo Bolsonaro [como Embaixador em Washington D.C.], como dizendo que ao filho daria o filé mignon. É uma quebra do princípio da impessoalidade, da moralidade pública – e a pessoa [Eduardo] é totalmente desqualificada, pensando no caso concreto. Toda carreira deve ser construída com marcos, qualificações, ganhos de experiência, não pode da noite para o dia pretender que alguém que tenha uma visão limitada de mundo, que tem uma trajetória limitada em termos de cargos e mesmo de idade vá para o posto principal da diplomacia brasileira. Eu fico perturbado com esse tipo de atitude. Se quisermos uma República, em que o interesse público prevaleça sobre o interesse privado, nós temos sim que investir nas carreiras de Estado, sem corporativismo. Mas é que, valorizando as carreiras, para além de questões salariais, mas no sentido da preservação de suas funções. Quando você coloca alguém de fora do Itamaraty, você está enfraquecendo a carreira e, portanto, está enfraquecendo a República.

Boletim da Liberdade: Muitos falam da sua candidatura à prefeitura do Rio em 2020. Recentemente você participou do pré-lançamentos da Mariana Ribas, do PSDB,  junto ao ex-prefeito Eduardo Paes, que também é considerado pré-candidato. Pode desistir? Como está essa conversa?

Marcelo Calero: Nesse momento, estamos construindo um conceito de candidatura. Depois a gente vai encontrar alguém que seja a personificação desse conceito. Acho que o centro, a centro-direita e a centro-esquerda estão conscientes da necessidade de que haja uma candidatura única, tanto que ninguém está se negando a conversar com ninguém. Acho que é um momento de uma nova geração chegar ao poder. Nossa geração está com seus trinta e tantos anos e precisa urgentemente de novas lideranças. Acho que é hora dessas lideranças mais antigas passarem o bastão. Mas claro você só constrói algo em cima de alguma coisa. É importante reconhecer os bons legados. Acho que o Eduardo Paes foi um excelente prefeito. O PSDB do Rio está tentando encontrar um caminho e traz a figura da Mariana [Ribas], que qualifica o debate, trabalhou comigo, foi a minha vice-ministra. São pessoas que a gente tem muito gosto de conversar e que certamente terão algum papel nas eleições e isso não faz que nós nos sintamos constrangidos aquilo que pensamos.

Boletim da Liberdade: E como o senhor avalia o governador Wilson Witzel?

Marcelo Calero: Eu acho que o Witzel tem boas intenções, mas está falhando em alguns métodos. Um estilo meio de trator, que pode ser deletério para a civilização, para o Rio de Janeiro. Muitas vezes não é a intenção dele, mas ele acaba legitimando certos comportamentos. Não posso deixar de me referir às incursões desastrosas da polícia nas comunidades. A polícia está lá para trazer ordem, trazer paz, não para trazer o terror. As pessoas não podem ficar aterrorizadas com a presença da polícia, quando isso acontece tem alguma coisa errada. Meu candidato não era o Witzel – eu fiz campanha para o Eduardo Paes, que eu acho que estava mais a altura do desafio. Mas eu reconheço no Witzel uma intenção boa, uma intenção de fazer o governo. Agora, é isso. As suas palavras muitas vezes tem que ser melhor pensadas.

Marcelo Calero à esquerda foi um dos secretários do ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM (Foto: J.P.ENGELBRECHT/Fotos Públicas)

Boletim da Liberdade: E a gestão na Prefeitura, com Crivella?

Marcelo Calero: Desastre completo. É um exemplo de uma não-gestão, falta de liderança, falta de compromisso, falta de visão, falta de noção da sua própria responsabilidade enquanto gestor público. É um desastre do início ao fim.

Boletim da Liberdade: Como avalia a reforma tributária, dado que você faz parte da comissão especial sobre o tema na Câmara? Acredita que até junho de 2020 será finalizada?

Marcelo Calero: Eu acho que até junho de 2020 deve ser finalizada, bem factível. Acho que é uma reforma muito boa, mas ainda tem problemas nessa câmara de compensação que vão criar, que estão chamando isso de custódia. Tem também problemas na transição, que eu acho muito longa, mas eu acho que traz o Brasil para a realidade internacional, na qual se tributa o consumo onde ele acontece e não onde o bem é produzido. Cria-se uma nova dinâmica para os créditos, que também é muito mais palatável. Acho um grande desafio, mas também muito positiva.

Boletim da Liberdade: Recentemente, você falou que o Jair Bolsonaro estava “venezuelanizando” o Brasil, com medidas parecidas do Chavez. Porque diz isso?

Marcelo Calero: Tem muito a ver com o que estávamos falando sobre as instituições. Primeiro, há esse ataque ao IPHAN, Receita, Polícia, INPE, IBGE, todas as grandes instituições estão sendo atacadas pelo Bolsonaro. Depois, você tem um evento específico, com a presença dele, em que começou-se a falar de uma nova Constituição para o Brasil. Depois, deputados da base dele apresentam uma PEC para diminuir de 75 [anos] para 70 anos a idade da aposentadoria compulsória [dos ministros do STF], abrindo portanto duas ou três vagas no Supremo. Então a gente tem um pacote completo da Venezuela: você ataca as instituições, você ataca a imprensa, muda a constituição e muda o STF. Isso é o pacote digno de Maduro. Maduro está lá batendo palmas. Então, de novo: isso faz parte da visão ideológica, só que invertida.

Boletim da Liberdade: Frente às discussões sobre reforma administrativa que já permeiam o Congresso, o que deve ser preservado e o que é preciso mudar nas regras para o funcionalismo público?

Marcelo Calero: Precisa criar uma nova modalidade de contratação pública urgentemente. Sou totalmente favorável aos concursos públicos, que não é o ideal mas é a única coisa que a gente tem. Só que a gente precisa ter modalidades mais flexíveis para fazer contratações. Temos que definir o que é carreira de Estado. Essas carreiras precisam ser preservadas, com a estabilidade garantida agora e no futuro. Acho que a estabilidade do servidor não pode ser mexida, porque isso é um tiro n’água. Você vai acabar criando muita espuma e não vai conseguir fazer nada por conta disso. Então mexe daqui pra frente, mas as carreiras de estado precisam ser preservadas. O servidor público tem que ser visto como uma solução e não um problema. Agora, as modalidades de contratação precisam mudar, serem mais flexíveis, como contratos temporários… sabe por quê? O que acontece hoje é o seguinte: resolve-se tudo com a terceirização. E a terceirização serve para cabide de emprego. Então você pega lá o Estado e tem lá que o número de cargos não muda a 20 anos, só que os terceirizados estão [crescendo]. E no terceirizado o político bota, por não ter concurso, todos os apaniguados. Aí você gera a descontinuidade do serviço público: passa o mandato, todos são demitidos e são contratados outros. Então melhor seria que, com concurso público, você tivesse uma modalidade de contratação mais flexível.

“Sou totalmente favorável aos concursos públicos, pois é a melhor modalidade que nós temos; no entanto, deveríamos ter modalidades mais flexíveis de contratação pública.  A estabilidade do servidor não pode ser mexida”

Boletim da Liberdade: Recentemente, foi discutivo na CCJ da Câmara dos Deputados projetos de mudança do sistema eleitoral para cargos legislativos. Distrital puro, misto, distritão e proporcional. É o momento para esse tipo de discussão? Qual você acredita ser o melhor modelo para o Brasil?

Marcelo Calero: Eu acho que é o momento sim, não podemos postegar. Precisamos baratear os custos das campanhas, garantir que haja maior accountablity [prestação de contas], que o eleitor se sinta parte do sistema eleitoral, se enxergue naquilo que elegeu.  Mas, para isso, precisa-se mudar o modelo, [e eu defendo] que seria o distrital misto.

Boletim da Liberdade: A Câmara dos Deputados teve quase 50% de renovação nessa nova legislatura. Na sua avaliação, o que esses novos deputados trouxeram de diferentes?

Marcelo Calero: Difícil. O arejamento, por mais que eu tenha ressalvas, por si só – vendo pessoas pensando coisas diferentes, sob novos ângulos – já é positivo. Eu me preocupo mais com uma renovação de práticas do que propriamente uma renovação de rostos. Mas, ainda assim, trazer gente nova sempre te obriga a pensar diferente.

Boletim da Liberdade: Você observa os novos deputados mais republicanos ou o corporativismo ainda é a tônica da Câmara?

Marcelo Calero: Eu acho que o corporativismo [ainda é a tônica]. Eu talvez esperasse uma visão mais republicana a respeito dos trabalhos aqui. Acho que essa polarização serviu muito para que essa visão republicana não ficasse de uma maneira efetiva. Porque estão mais preocupados com uma agenda eleitoral, com os dividendos eleitorais, do que efetivamente com um resultado para o país.

Boletim da Liberdade: Qual livro recomenda para nossos leitores?

Marcelo Calero: Tem um livro que fala sobre a gestão do Carlos Lacerda no [extinto estado da] Guanabara. Chama-se Lacerda na Guanabara, do autor José Maurício Dominguez Peréz. O Lacerda tem várias coisas de ruim, era golpista, não tinha um apreço tão grande pela democracia representativa, mas ele era um gestor muito preocupado com as instituições republicanas na gestão pública. Mas quando o Lacerda construiu um estado [N.E.: Lacerda foi o primeiro governador do Estado da Guanabara, fruto da saída do Distrito Federal do município do Rio de Janeiro], o que foi algo único, e nem sempre temos a formação de um ente federativo. Então para quem se interessa por gestão pública, como a formação de um ente federativo, aliada à maneira como aquele gestor, pegando aquele desafio, viu e construiu aquele Estado, é muito interessante. No campo da literatura, eu sou apaixonado pelo Lima Barreto, e tem dois textos dele que eu destaco, que são o XV de novembro e Política Republicana, que fala das mazelas da Velha República que até hoje se fazem presentes. E tem um conto dele que fala das práticas políticas de um país fictício, mas é como se fosse um viajante que passou por um país estrangeiro e conta para o amigo as práticas daquele local. O que é desesperador é que, por ser uma sátira ao Brasil, tudo que ele fala é igualzinho até hoje [no país]. Essa visão que o Lima Barreto tem sobre a questão republicana é muito perspicaz, muito interessante.

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EDITADO do dia 17/11: A transcrição da entrevista foi revista e incluídas frases e colocações que, após uma 3ª revisão, por motivo técnico, haviam sido omitidas devido a qualidade da gravação. A ausência de parte das declarações não feriu a essência das respostas, mas a entrevista publicada tem como pressuposto a integralidade das respostas.

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