Roberto Rachewsky é uma das principais referências do meio liberal. Com décadas de atuação na divulgação das ideias da liberdade, foi dos fundadores do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) ainda nos anos 1980 e, atualmente, preside o conselho do Instituto Atlantos, em Porto Alegre, além de escrever para o Instituto Liberal do Rio de Janeiro, onde compartilha artigos de opinião.
Em nova entrevista exclusiva ao Boletim da Liberdade, Rachewsky é questionado sobre pandemia, restrições às liberdades, imunização e cenário de 2022 para os liberais.
Entre outros pontos, critica a vacinação obrigatória (“Ninguém pode ser obrigado a injetar algo no seu corpo”) e, quando questionado sobre alianças para as próximas eleições, avalia que “a busca dos liberais na política deve ser de defesa das ideias liberais de separação do governo da economia, educação, saúde, previdência e infraestrutura e não da busca do poder pelo poder”.
Confira:
Boletim da Liberdade: Estamos em abril de 2021 e a pandemia de coronavírus, mesmo com o início da vacinação, está em sua pior fase no Brasil. Medidas de restrição à liberdade são justificáveis em um contexto pandêmico?
Roberto Rachewsky: Uma pandemia, como uma guerra, muda de forma inquestionável o contexto social em que se vive. Uma das características necessárias para o convívio social é o elevado grau de confiança que os indivíduos têm de que sua integridade física, sua liberdade e sua propriedade estarão à salvo de gente violenta.
Quando em uma sociedade não se está a salvo de ninguém podendo qualquer um, mesmo aqueles nos quais confiamos, ser um potencial agressor, é preciso que as autoridades estabeleçam salvaguardas para que uns não sejam molestados por outros. É necessário que para proteger a população contra uma doença infecciosa com elevado grau de contaminação e importante número de fatalidades, medidas preventivas sejam tomadas.
Diz a experiência e a lógica que o primeiro passo é criar barreiras sanitárias, programas de identificação e segregação de agressores e rastreamento de agressores em potencial que tiveram contato com aqueles já identificados. Todos esses devem ser isolados em quarentas rigorosas porque nenhum cidadão saudável pode ter a sua integridade física ameaçada. É papel do estado implementar isso.
Agora, impedir a mobilidade de agressores potenciais não pode ser confundida com a adoção de medidas draconianas como o fechamento de estabelecimentos, praias e praças, ou a suspensão da liberdade daqueles que não oferecem nenhum tipo de ameaça a terceiros, seja porque são saudáveis ou já foram imunizados. Cabe ao governo trabalhar para proteger a liberdade e a integridade física da população e não agravar o problema tornando-se ele próprio um agressor de direitos daqueles que não oferecem perigo a ninguém. No Brasil, infelizmente, o que vimos foi o caos.
Boletim da Liberdade: Há soluções alinhadas à liberdade para combater a pandemia? Caso sim, quais seriam?
Roberto Rachewsky: Liberdade significa ausência de coerção. Ameaçar a integridade física de alguém, mesmo que de forma involuntária é um ato coercitivo pois ninguém em sã consciência concordaria em ser infectado com um vírus, a não se optasse por ser vacinado. Portanto, as medidas citadas na resposta anterior são, na minha opinião, o que deseja ser feito para enfrentar um problema complexo respeitando princípios liberais.
Boletim da Liberdade: Como o sr. avalia o papel dos liberais – organizações, parlamentares, influenciadores – ao longo pandemia?
Roberto Rachewsky: Foi possível perceber uma grande desconhecimento do papel do governo e da importância que tem para preservar a liberdade das pessoas. Muitos liberais não conseguem entender em abstrato que pessoas infectadas são agressores indesejados e que devem ser segregados e confinados para que não ameacem os demais, permitindo assim que aqueles que não oferecem ameaça possam viver normalmente, ainda que redobrando os cuidados porque se sabe que nem todos que deveriam cumprir quarentena o fazem e acabam colocando em risco pessoas inocentes, digamos assim.
Boletim da Liberdade: No contexto da vacinação, dois novos temas têm surgido – a eventual obrigatoriedade da vacinação e a possibilidade de se instituir um certificado para imunizados, que poderia ser organizado tanto pela iniciativa privada quanto pelos governos. Como o sr. enxerga essas propostas?
Roberto Rachewsky: A obrigatoriedade da vacinação é um ato de agressão violento, como tudo que é coercitivo. Ninguém pode ser obrigado a injetar algo no seu corpo. Diferentemente de um teste, que não afeta em nada a integridade física do indivíduo, ainda que invada sua privacidade, uma vacina não pode ser considerada inócua, nem mesmo a ponta de uma agulha.
Testes não são obrigatórios também porém se alguém quiser se locomover livremente por aí e ingressar em ambientes privados que exijam imunidade, certificados de negatividade relativa à doença ou de positividade relativa a imunidade pela existência de anticorpos é algo plausível. Há muitos anos, países exigem certificados de vacina para visitantes. Quem não quer se vacinar, não poderá frequentar aqueles lugares.
Boletim da Liberdade: Devido a pandemia, a pauta da renda mínima universal, com base na experiência do auxílio emergencial de 2020, no valor de R$ 600, começou a ser discutida com mais força e pode estar presente na campanha de 2022. Pesquisa da FGV de 2020 indicou que o auxílio colaborou na redução da miséria. Como o sr. enxerga essa política pública no contexto brasileiro?
Roberto Rachewsky: Em qualquer contexto políticas distributivistas como renda mínima paga pelo governo ou salários mínimos pagos por empregadores são promotores da pobreza e não o contrário. Podem eventualmente sanar momentos onde há uma emergência mas devem ser sempre, como a caridade, oferecidos de forma voluntária e temporária de forma que estimule a produtividade e a independência e não o ócio e parasitagem.
Além do mais, essas injeções de moeda na economia são inflacionados e acabam reduzindo o poder aquisitivo de todos em favor do grande vilão que é o governo e daqueles que se beneficiam nas camadas mais privilegiadas da cadeia alimentar, aquela na qual os poderosos corporativistas ganham associando-se ao governo que lhes retribui com favores e políticas protecionistas.
Boletim da Liberdade: Saindo do tema da pandemia, e indo para o tema das eleições de 2022, como o sr. avalia o terreno para as ideias liberais após o primeiro mandato do governo do presidente Jair Bolsonaro, que ficou associado ao liberalismo no imaginário popular devido a presença do ministro Paulo Guedes?
Roberto Rachewsky: É equivocada a ideia de que Bolsonaro está associado às ideias liberais. Ficou claro para a sociedade que Bolsonaro nunca fez algo concreto para dar suporte ao que o ministro Paulo Guedes defendia. Também Paulo Guedes nunca levou a público o problema que enfrenta no governo. Seus auxiliares mais próximos debandaram porque viram que não havia realmente compromisso com as pautas liberais porque Bolsonaro sempre foi e continuará sendo um coletivista estatista que acredita na primazia do estado sobre o mercado, mesmo ele tendo dito o contrário para aproveitar o vácuo deixado pelos marxistas do PT e os sociais-democratas.
Boletim da Liberdade: Como o sr. enxerga o movimento de os liberais apoiarem um candidato de centro, em uma terceira via, para derrotar o bolsonarismo e o lulismo?
Roberto Rachewsky: Liberal deve se abraçar a ideias e não a grupelhos com fins políticos. A busca dos liberais na política deve ser de defesa das ideias liberais de separação do governo da economia, educação, saúde, previdência e infraestrutura e não da busca do poder pelo poder. Vimos nas últimas décadas que aqueles que se dizem de centro não são diferentes daqueles que eles chamam de políticos extremados.
Boletim da Liberdade: Observando o cenário político e de riscos à liberdade, qual deveria ser, hoje, a prioridade dos liberais no debate público?
Roberto Rachewsky: Difundir ideias, formar uma sociedade com jovens com uma mentalidade individualista, e povoar os parlamentos com eles. Quando houver massa crítica suficiente que acredite que é papel do governo, exclusivamente, defender a livre iniciativa e a propriedade privada através do estado de direito para que os indivíduos possam florescer e prosperar cooperando e interagindo livremente, então é hora de riscarmos da Constituição tudo aquilo que lembra uma nação socialista, fascista, baseada no coletivismo estatista que sempre caracterizou o Brasil.