Presidente da comissão especial que analisa o mérito da proposta apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL/DF) de incluir na Constituição a previsão de impressão de voto nas eleições, o deputado federal Paulo Martins (PSC/PR) considera que a pauta é de “extrema importância”.
Em entrevista exclusiva concedida ao Boletim da Liberdade, o parlamentar, que também é jornalista, destacou que o brasileiro “precisa ter confiança no processo eleitoral” e que “enxerga que há falhas” no modelo atual.
Para Martins, “é nítida” a desconfiança no sistema atualmente adotado e que há “apoio popular” ao modelo do “voto impresso auditável”, mas reforçou que não se trata da “volta às cédulas em papel”, mas na “manutenção da urna eletrônica, numa versão melhorada”.
Ao longo da conversa, o parlamentar defendeu que a pauta não seja tratada de forma ideológica e mostrou-se cético sobre novas formas de votação, como aquelas feitas de forma remota.
“O voto remoto tem que ser visto com muito cuidado, porque esse sim pode implicar na preocupação do Supremo Tribunal Federal sobre o sigilo do voto”, disse. Confira:
Boletim da Liberdade: O sr. está presidindo a Comissão Especial que analisa o mérito da PEC que quer incluir na Constituição a previsão de impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor para fins de auditoria”. Como o sr. enxerga a importância dessa pauta no atual momento do país? Há desconfiança popular sobre o modelo eleitoral no país?
Paulo Martins: Essa pauta é de extrema importância para o país, para a manutenção da confiança do cidadão na democracia. Trata-se de um tema que diz respeito à legitimidade. O brasileiro, seja ele de qualquer classe social ou região do país, precisa ter confiança no processo eleitoral para que haja o mínimo de estabilidade. Essa é uma questão que é permanente na nossa sociedade desde que esse voto exclusivamente eletrônico foi implementado. Por isso, a importância dessa PEC.
Boletim da Liberdade: Um dos principais argumentos utilizados por defensores do modelo é a possibilidade de o total de votos eletrônicos poderem ser comparados ao total de votos impressos para cada candidato. O sr. não acredita que esse sistema pode criar uma situação em que cidadãos mal intencionados acusem a impressão errada do voto e, com isso, levem a questionamentos do processo eleitoral? Como evitar esse cenário?
Paulo Martins: A eleição e todo o processo de votação precisam ser encarados como uma questão jurídica, técnica e também política. Esse tipo de voto, que se mantém eletrônico, mas com possibilidade de impressão auditável já existe em alguns países. O sigilo do voto é mantido. E no nosso trabalho da comissão, podem ser apresentados vários modelos de urnas para deixar tudo o mais seguro possível. Lembrando que ninguém vai imprimir o voto e levar para casa. Isso não existe.
Cidadãos mal intencionados podem existir diante de qualquer tipo de voto, seja como é hoje, como foi em cédula de papel no passado ou em algum que escolhamos para o futuro. Por isso, reforço a importância da comissão, para dirimir todas as dúvidas e encontrar as soluções. Mas, vale reforçar: quanto mais limpo e auditável for o processo, menos problemas teremos e menos cidadãos mal intencionados poderão fazer para tumultuar as coisas.
Boletim da Liberdade: Em maio, o Tribunal Superior Eleitoral divulgou um conjunto de vídeos enaltecendo o voto eletrônico com as urnas atuais. Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, o atual modelo é “totalmente transparente e auditável”. O sr. enxerga que ainda há falhas? Há resistências por parte do Judiciário à reformulações no modo de se fazer eleições?
Paulo Martins: Eu enxergo que há falhas, sim. Caso contrário, não haveria desconfiança de parte da população e apoio popular a essa questão do voto impresso auditável. Isso está nítido, seja nas ruas ou nas redes sociais. Vale reforçar aqui, que não se fala em volta às cédulas de papel, mas sim, manutenção da urna eletrônica, numa versão melhorada.
E o TSE é convidado a participar oficialmente da comissão, fazer suas colocações e acompanhar os trabalhos. O Tribunal não pode se fechar a argumentos externos e a novas tecnologias que se apresentam. Sobre o ministro Barroso, é natural que, como presidente do TSE, ele tenha organizado uma campanha sobre a eficiência do voto eletrônico. Afinal é o que ele tem em mãos hoje. Obviamente, o ministro tem que defender que seja confiável.
Já tivemos uma primeira reunião para discutir a PEC 135/2019, o que mostra que o tema não é um tabu, como alguns tentam pintar. E esse é o objetivo, de envolver todas as autoridades que participam diretamente do processo e têm preocupação e comprometimento com a democracia. A decisão que sair da Câmara precisa ser madura e sensata. Isso é necessário para o nosso Brasil.
Boletim da Liberdade: No passado, a previsão do voto impresso aprovada em lei foi derrubada no Supremo Tribunal Federal por, supostamente, ameaçar o sigilo do voto. O sr. enxerga que uma PEC como essa poderá vir ser questionada no futuro pelo mesmo argumento? Quais seriam os argumentos que os defensores do modelo pretendem utilizar para que as novas urnas não sejam proibidas pelos tribunais?
Paulo Martins: Em primeiro lugar, o trabalho da comissão é ouvir especialistas de todo o lado, para buscar o melhor modelo, já que há muitas opções que podem ser implementadas. E todas elas, continuam garantindo o sigilo do voto. Isso não existe. Vale reforçar, que ninguém vai imprimir o voto e levar para casa, para mostrar para quem quer que seja.
Eu acredito que esse argumento é um pouco pueril. Esse tipo de voto existe em vários países do mundo; e o sigilo do voto é mantido. Isso não é um problema. A urna pode dar problema? Pode, mas não quer dizer que a solução desse problema seja a violação dos depósitos dos votos. Tem várias soluções tecnológicas para isso. Queremos chegar ao modelo que garante a convicção. E isso é perfeitamente possível. A tecnologia está aí. Por que não usarmos?
Boletim da Liberdade: Na avaliação política do sr., quais são as chances de essa PEC efetivamente ser aprovada no Congresso e, até mesmo, entrar em vigor a partir das próximas eleições?
Paulo Martins: Para entrar em vigor nas eleições do ano que vem, ela precisa ser aprovada até, no máximo, um ano antes do pleito. Isso nos dá um prazo até o início de outubro. Não é algo fácil. Mas, o trabalho está sendo feito e a pressão da sociedade também ajuda nesse ponto. Estamos na segunda semana de trabalhos da Comissão e o resultado, até aqui está sendo bastante importante. Acredito que, até setembro, o voto impresso auditável possa ser aprovado na Câmara. Para a alegria dos brasileiros de bem, que querem eleições limpas e auditáveis.
Boletim da Liberdade: Ao longo dos últimos anos, vimos principalmente nomes e correntes ligadas à direita defendendo a reforma no voto eletrônico. O sr. enxerga que há adesão da esquerda também para essa pauta?
Paulo Martins: Essa não tem que ser uma pauta ideológica. Aliás, a gente insiste na institucionalidade dela. Não tem que ser uma bandeira deste ou daquele partido. Aliás, a negação da necessidade de uma reformulação do atual sistema só vai alimentar as tensões políticas. E, de forma geral, a gente tem conseguido estabelecer um diálogo muito maduro com setores da esquerda. Brizolistas, por exemplo, de forma geral, são muito adeptos dessa tese do voto impresso auditável. E, essa pauta, que foi carimbada pela grande imprensa como bolsonarista, está ganhando força e se mostrando apartidária.
Boletim da Liberdade: Não apenas em decorrência da pandemia, cada vez mais serviços, inclusive de órgãos públicos, estão digitalizados e permitindo o acesso remoto. A previsão do voto impresso não pode prejudicar novas formas de votação, inclusive remotas, como por meio de aparelho celular ou certificado digital? Como o sr. enxerga essa questão e essas possibilidades futuras?
Paulo Martins: Temos que trabalhar com o que temos disponível e viável neste momento. Não creio que agora ou num período próximo, haja espaço para votações remotas em um país como o Brasil e no atual cenário em que vivemos. A internet não é realidade para todo brasileiro. Tanto é que o ensino remoto, em meio à pandemia, é um problema também por causa disso.
O que é possível e necessário no Brasil de hoje é melhorar o sistema que temos atualmente, passar para uma nova geração de urnas eletrônicas, para que as eleições sejam seguras, transparentes e, em caso de dúvidas e contestações, os resultados possam ser verificados de forma limpa e confiável.
Além disso, o voto remoto tem que ser visto com muito cuidado, porque esse sim pode implicar na preocupação do Supremo Tribunal Federal sobre o sigilo do voto. Isso porque, no caso de um voto por celular, por exemplo, um coronel, traficante, um miliciano, pode exigir que o voto seja realizado na presença dele, nessas comunidades mais vulneráveis.
Boletim da Liberdade: Nas últimas eleições presidenciais norte-americanas, houve um amplo questionamento sobre o resultado eleitoral que culminou na simbólica invasão ao Capitólio. O sr. compreende que uma reforma no modelo de votação tem potencial para alterar os ânimos na política no país?
Paulo Martins: Os ânimos já estão alterados. O que se quer é, justamente, evitar que ânimos alterados e desconfianças coloquem a legitimidade do processo à prova e que, por fim, culminem com um descrédito na democracia e nas instituições.
Boletim da Liberdade: Por fim, obrigado pela entrevista. Em 2022, o Brasil completará o bicentenário da independência. No passado, o sr. já enalteceu os regimes monárquicos. Já que o tema é eleições e plebiscitos, o sr. acredita que é possível ou mesmo desejável que o país volte a debater sobre a melhor forma de governo, tal como ocorreu no plebiscito de 1993, ou esse é um tema superado?
Paulo Martins: Eu não escondo que sou um entusiasta da monarquia. E gostaria que o tema fosse encarado de forma diferente no Brasil. Na minha opinião, falta conhecimento sobre o que é essa forma de governo e como foi um erro o que aconteceu no Brasil. De qualquer forma, não vejo hoje muito espaço para se retomar essa discussão, infelizmente. O que não impede que possamos voltar a lançar luz sobre essa questão no futuro.
(Entrevista feita pelo jornalista Gabriel Menegale)