*Ítalo Cunha
Existe uma centelha que está prestes a apagar. O Brasil, com décadas de atraso, começou a ter seu boom de startups e investimento de risco, seja ele early stage, como investimento anjo, ou late stage como o investimento de venture capital.
No entanto, nosso volume e relevância nesses cenários é mínimo, por exemplo, em 2020 o valor aportado por investidores anjo regrediu ao montante de 2016, com um investimento de R$ 856 milhões, segundo a Anjos do Brasil.
Nessa categoria o Brasil representa apenas 0,7% do total dos investimentos nos Estados Unidos, sendo de R$ 129 bi. Apesar de pouco, o país é referência na América Latina, e empresas como Nubank, iFood e Mercado Bitcoin fazem a roda girar e transformam mercados de forma tão eficiente que vão aplicar seu modelo até fora do Brasil.
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Infelizmente o que fez essas empresas serem possíveis está prestes a ser apagado, aquela centelha pode levar um balde de água fria.
A proposta de Reforma tributária de Guedes e cia. vai impedir não só a captação de investimentos no exterior como também aumentar em 10 – 15% a tributação de grandes startups.
São quatro pontos principais:
a. Tributação da distribuição de lucros;
b. Tributação de pagamentos feitos em ações:
c. Tributação do ágio;
d. Tributação de ativos no exterior;
Tributação da distribuição de lucros
Com a Distribuição de lucros sendo tributada a renda dos empreendedores cairá drasticamente, primeiro porque normalmente empreendedores recebem apenas um pequeno pró-labore e usam os dividendos para se sustentarem e conseguirem manter um padrão de vida razoável sem alta tributação.
Pense nisso como uma recompensa por gerar empregos e tomar risco, o que no Brasil já não vemos tão bem. A reforma tributária propõe a tributação de dividendos que
ultrapassem R$ 20 mil mensais, o que coloca um founder nos 1% mais ricos da população sim, mas ainda longe de altos cargos do governo, melhor virar concurseiro né?
Fora que, tributando a distribuição de ganhos, as empresas pagarão mais para que seus sócios recebam o mesmo valor, ou estes receberão menos. Mais dinheiro para o governo, menos incentivos para empreendedores e menor valor para investimento.
Tributação de pagamentos feitos em ações
Isso sem falar da tributação de pagamentos realizados em ações, sendo algo vital para manter talentos em empresas nascentes, afinal, falta dinheiro para tudo, inclusive salários.
Basicamente a empresa entrega ações para que o executivo/sócio ganhe menos e possa ter uma recompensa em equity, ou seja, no quanto a empresa vale. Anteriormente, esses pagamentos eram dedutíveis pelas empresas, agora, só poderão ser deduzidos os feitos a funcionários, quem mais se beneficiava agora será tributado.
Isso pode impedir a retenção e atração de talentos para Startups e obrigar o ecossistema a criar modelos menos seguros para ambas as partes.
Tributação do ágio
O ágio é a diferença entre o patrimônio contábil da empresa e o que o mercado acredita que ela vale no momento da sua compra. Até hoje era possível amortizar essa diferença e reduzir o lucro tributável.
Isso deve mudar radicalmente, afinal, a amortização, apesar de ainda existir, não poderá ser utilizada para compensar os tributos sobre a renda da PJ, o que as faz valer menos.
Em uma operação de compra de uma empresa, para o comprador, o ágio é uma espécie de retorno sobre o investimento, utilizado no cálculo até do quanto essa empresa vale.
Isso terá impacto até mesmo indireto, por exemplo, qual é a real forma de auferir o valor de mercado de uma startup? Como entender o quanto um software adiciona ao patrimônio de uma empresa? Qual o real impacto de passivos trabalhistas sobre o valor, etc.
Tributação de ativos no exterior
O Brasil já não é nem um pouco amigável com o empreendedor. Ocupamos a 124ª posição no ranking Doing Business 2020, estamos atrás de nossos vizinhos e de nem tão vizinhos assim, por isso muitas empresas escolhem fazer suas estruturas burocráticas e societárias fora do país.
As chamadas offshore são constituídas em regiões onde a tributação é mais favorável justamente para facilitar os investimentos e retorno desse capital. Para tributar essas operações agora a reforma prevê a tributação sobre a transferência de patrimônio para entidade no exterior, e nem pelo valor contábil, mas pelo de mercado.
Desincentivo ao empreendedorismo
Somente com a reforma tributária o Brasil já perde R$ 20 bilhões de investimentos realizados por VCs estrangeiros e nacionais, nós importamos investimento, não podemos nos dar ao luxo de não ter essa grana no país.
O Brasil é o foco dos investimentos de risco estrangeiros na América latina, não só pelo tamanho, mas pelas soluções que o país precisa criar para melhorar a vida dos consumidores, no entanto, esse dinheiro não virá mais para cá.
Muito provavelmente com a aprovação da reforma as empresas, e investidores, vão mudar de países, vão para o Uruguai ou outro país próximo com uma tributação melhor e maior incentivo ao empreendedorismo.
Sim, o investimento de VC é um investimento de risco, mas tisco do negócio, não fiscal. A reforma aprofunda a confusão jurídica em torno do assunto e faz com que o founder
que quer montar uma startup decida conseguir um emprego ou tentar um concurso, essas opções têm um risco menor e podem levá-lo a ganhos líquidos maiores no curto/médio prazo.
Com o impacto sobre o retorno em dividendos, os investidores vão ter que rever se faz sentido investir em empresas que retornem dessa forma os ganhos, afinal, vão pagar 20% de imposto quando realizarem os lucros.
Essa reforma foi criada apenas para arrecadar mais, não é uma reforma, é um atentado tributário contra a inovação.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
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