No dia 9 de novembro de 1989 foi ao chão o muro de Berlim, soterrando a experiência totalitária do comunismo na Europa. Junto com ela a concepção da luta de classes como lente para entender o mundo e empreender a loucura da reengenharia do homem. Tonta, derrotada pela realidade e por seus equívocos, a esquerda volta-se para instrumentalizar a luta por direitos civis e de minorias. Aqui não foi diferente. Ao longo do século XX, no Brasil, a esquerda vem adaptando seu discurso ideológico e encontrando novos inimigos para “chamar de seus”.
Os chamados movimentos identitários como o LGBTQI+, de mulheres, de afro-brasileiros e indígena foram aparelhados por uma esquerda sedenta de modernizar seu discurso e ocupar o poder. O que antes eram movimentos que pleiteavam voz e protagonismo por direitos, agora ganharam cunho revolucionário.
O Governo Lula é o maior símbolo dessa recauchutagem da esquerda e instrumentalizou a pauta identitária aos extremos, fazendo com que a política no Brasil deixasse de ser diálogo e passasse a adotar um viés censitário. E o que isso significa? Que um determinado segmento social passou a exigir participação política e ocupação nos espaços públicos com base no percentual que ele ocupa na população. A lógica da representação estatística de um movimento ser convertida em participação política é extremamente preocupante pois reduz os espaços de diálogo e negociação na sociedade e, portanto, age em detrimento da construção de uma democracia liberal. Antonio Risério em seu excelente artigo para a Folha semana passada (2/10/2021) destacou:
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“A ideologia diversitária se revela, de fato, adversária plena da democracia liberal… A conversa pode então ser resumida nos seguintes termos: se os pretos representam x% da população brasileira, então eles têm de ser x% nas cátedras universitárias, no Poder Judiciário, na produção cinematográfica, na mídia, no Congresso Nacional e assim por diante.”
A busca incessante por poder e espaço, camuflada de equilíbrio censitário gerou um ambiente de guerra social constante, onde uns sempre deviam se culpar e outros ocupar. O mérito da causa nunca foi a questão, mas a forma. Os militantes do “politicamente correto” respaldados pelas lutas das pautas indentitárias suprimiram a reflexão das formas mais adequadas para se avançar nas pautas sociais e atuaram para calar qualquer um que os questionasse. Obviamente esse ambiente de imposição de um projeto de poder travestido de boas intenções é totalitário e adverso à democracia, podendo produzir uma verdadeira “guetificação” da sociedade.
Como resposta a esse clima hostil, no polo oposto surge um movimento tão antidemocrático e extremista quanto o lulismo: o bolsonarismo. Contudo, o sinal trocado do bolsonarismo não representa igualdade na nocividade, pois quando vamos para o outro extremo do “politicamente correto”, nos encontramos em um ambiente que desmerece toda e qualquer minoria, que negligencia os preconceitos estruturais e descredibiliza todo agente político que adota um olhar sensível para os problemas sociais. Assim como o lulismo e a esquerda se apropriaram dos movimentos identitários, o bolsonarismo se apropriou de ideias recortadas do pensamento liberal, sem se preocupar em entender o contexto na qual ela fora aplicada. Distorce totalmente a ideia de liberdade e cria uma atmosfera intolerante e autoritária.
Esses dois rios desembocam no mesmo mar. Mar de pobreza, crise e intolerância. Mar de populismo e ignorância política.
Para desenvolvermos uma democracia livre precisamos aprender com os erros deste passado recente e sair desse ciclo vicioso. Precisamos resgatar o que o lulismo tentou acabar, que é a capacidade de refletir a sociedade para além de uma estratificação censitária. E precisamos resgatar o que o bolsonarismo tenta acabar, que é a capacidade de reconhecer o problema. Direitos humanos, diversidade cultural e tolerância às diferenças são conquistas civilizatórias, pertencem ao povo brasileiro e não devem servir de plataforma de poder partidário.
Nós, liberais, temos muito a contribuir nesse contexto. A nossa busca por um Estado essencial digno e garantidor da liberdade, o nosso respeito pelas diferenças, o nosso entendimento da importância do gradualismo para uma mudança social sustentável e pacífica são valores que nortearão as mudanças necessárias para um Brasil pós-bolsopetismo.
Foto: Elnur/Adobe Stock
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