O filme “Não olhe para cima” faz uma sátira à política hipócrita e rendida ao corporativismo. Apesar de mostrar a complexidade da contemporaneidade e expor diversos atores que influenciam nos resultados medíocres que hoje apresentamos enquanto sociedade, o filme é determinístico em atribuir ao corporativismo o papel de principal vilão. Foi a empresa fictícia de tecnologia que influenciou a presidente dos EUA a abortar a primeira missão de destruição do meteoro que se dirigia em direção a Terra, e fez isso convencendo a população de que era o melhor a ser feito. Na vida real, não temos apenas uma empresa, mas uma teia complexa a ser desvendada para compreender aqueles que influenciam os gestores públicos a atuarem de acordo com os seus interesses privados em detrimento do interesse público.
No Brasil, o corporativismo prejudicou avanços importantes para o país, desde o Império, e sofremos suas consequências, até hoje. Foi o corporativismo da época, por exemplo, que abortou a obra de transposição do rio São Francisco, que buscava reduzir a seca nordestina. A apatia dos governantes em relação ao Nordeste provocou, ao longo dos anos, um fluxo migratório desequilibrado no país com efeitos graves sobre a ocupação do solo nas grandes cidades do Sudeste. Também foi o corporativismo que durante o golpe da república acabou por impedir a reforma agrária, que daria terras e condições de independência aos 800 mil escravos libertos, nos moldes como foi feito nos EUA, cem anos antes. A incapacidade de ofertar oportunidade de vida digna aos recém libertos, fez com que o Brasil não tivesse sua raiz escravocrata, verdadeiramente, rompida e acabou por perpetuar um uma sociedade extremamente desigual e violenta. Na era Vargas, observamos o protecionismo ser motivado estritamente por interesses corporativistas, de tal forma que a indústria brasileira se desenvolveu em um ambiente adverso à inovação, com impactos negativos para a sua competitividade.
O corporativismo embala seu projeto para que ele seja palatável ao povo. Com o discurso de proteger empregos, de desenvolver a indústria nacional, de garantir a autodefesa do cidadão, o corporativismo esconde da massa seus verdadeiros propósitos. É com a ajuda da potente narrativa dos políticos que a solução que traria maior bem-estar, no longo prazo, é abandonada para favorecer interesses privados e personalíssimos. Foi assim que o Brasil comemorou o plano de Metas de Juscelino, que na verdade era um grande plano de endividamento para favorecer o corporativismo alinhado. Foi assim que o governo Lula proporcionou uma lucratividade oito vezes maior ao setor bancário que o governo FHC. Foi assim que Bolsonaro conseguiu beneficiar a atuação de milicianos ao facilitar o armamento privado.
Ao longo da República, em nenhum governo, o corporativismo deixou de operar. Sua atuação se tornou cada vez mais complexa e intensa. Foi ele que legitimou as ditaduras e as derrubou. Foi ele que manipulou a opinião pública, por meio de suas entranhas na imprensa para sustentar regimes fragilmente democráticos. Na verdade, nos tornamos reféns do corporativismo. E os políticos eleitos, seus cúmplices.
No próximo artigo da série vamos destrinchar o corporativismo contemporâneo, quem são eles, como eles operam e o caminho para nos libertarmos dele. Nos aguarde!
*Este artigo faz parte da série Corporativismos. Artigo (01/02).