No início de 2021, o número de insatisfeitos com Governo Jair Bolsonaro aumentava exponencialmente. Eram dezenas de denúncias sendo expostas para todo Brasil pela CPI do COVID e deixando inegável a incapacidade de o presidente entregar ao Brasil o que prometera em campanha.
Esses órfãos de esperança se encontravam nas redes sociais fazendo críticas à postura de Bolsonaro e tentando identificar seus pares no reduto da desilusão. Nesse momento de mobilização virtual, se depararam com uma militância organizada e poderosa, incapaz de aderir ao diálogo. Incapaz também de reconhecer erros e retrocessos para o Brasil. Era a postura idêntica a dos lulistas, quando no ápice da lava-jato se muniram de ataques extremistas para evitar a discussão que aprimoraria o fazer político no Brasil. Percebeu-se que o ambiente político não estava apenas polarizado, mas radicalizado. A opinião pública estava sendo altamente influenciada por discursos de ódio e da intolerância.
Em uma tentativa de respirar em uma atmosfera tão tóxica, esses indignados criaram um movimento de “Nem Lula Nem Bolsonaro”, que, além de pedir o impeachment do presidente, também sinalizavam que era preciso trabalhar por uma terceira via alternativa aos dois indigestos candidatos. A pauta recebeu apoio de vários movimentos (MBL, Livres, Vem para Rua) e de personalidades políticas como João Amoêdo, Simone Tebet, João Doria, entre outros. Na ocasião, um perfil do Twitter, chamado Pombo Míope, lançou o símbolo o trevo (☘️) como forma de representar essa busca por uma alternativa. O trevo viralizou e foi adotado por muitos militantes do Twitter que procuravam uma forma de expressar seu anseio por uma terceira via.
O manifesto pelo impeachment, que ocorreu no dia 12 de setembro, teve participação popular muito aquém do esperado, mas muitos de seus militantes mantiveram o símbolo do trevo para sinalizar que o anseio por uma política menos polarizada ainda estava vivo.
Com o passar do tempo e uma clarificação dos reais conflitos que nos cercavam, compreendemos que algumas pessoas que sustentavam o símbolo do trevo buscavam mais do que pessoas para ocuparem uma terceira via, elas procuravam uma nova postura política. Identificamos que elas adotavam uma postura de militância muito parecidas: são avessos à polarização, ao maniqueísmo, ao ódio, ao cancelamento irracional.
Passamos, então, a compreender que existia uma legião de moderados desorganizados e sedentos por lideranças que construíssem um novo ambiente político. E mais: passamos a compreender que os extremistas estavam ocupando um lugar muito maior do que uma democracia saudável pode suportar. Era urgente levantar a bandeira pela política moderada e fundar um movimento que disseminasse códigos de posturas moderadas que a sociedade tanto precisava. Foi desse entendimento que surge a “turma do trevinho”, o movimento moderado brasileiro.
O Movimento do Trevo tem o objetivo de sensibilizar os brasileiros para a importância de se desenvolver uma postura política moderada.
A palavra ‘moderado’ nem sempre é compreendida da forma que propomos neste movimento. Moderação para a “turma do trevo” não se relaciona a meio-termo ou timidez, mas com a coragem de olhar para mundo real e não reduzi-lo à sua tribo.
Para fundamentar a atuação do Movimento do Trevo nos inspiramos, principalmente, no livro “Faces of Moderation” de Aurelian Craiutu, no artigo “What Moderates Believe” de David Brooks para o New York Times (2017) e no livro “Lições Amargas” de Gustavo Franco. Os pilares de uma atuação política moderada podem ser elencados da seguinte forma:
1. Moderação requer coragem:
Não há covardia maior que ser popular no paraíso do purismo ideológico. Sair da zona segura da sua tribo e se jogar em um terreno de embates ideológicos sob diferentes visões de mundo é um ato de coragem pois podem externar a você o tamanho da sua ignorância. Os moderados não têm medo de se enxergarem ignorantes, eles têm medo de morrerem ignorantes.
2. Política não é guerra:
Em um estado de direito, os únicos inimigos dos cidadãos são os criminosos e os que vivem na ilegalidade. Portanto, pessoas íntegras que se colocam no debate político com visões de mundo diferenciadas não são inimigas, mas concorrentes capazes de aprimorar nossa visão de mundo e reafirmar nossos propósitos. E só uma concorrência saudável pode nos transformar em pessoas melhores e mais sábias.
3. Moderados são reformistas:
A reformas mais importantes que o Brasil precisa só serão construídas com diálogo aberto e corajoso. O Brasil apresenta muitos problemas estruturais e é preciso procurar minuciosamente pelas soluções. Moderados se abrem ao debate para resolverem os problemas da forma mais eficaz possível e não se prendem em discussões ideológicas sem rumo, que constroem uma cortina de fumaça sobre as soluções viáveis e possíveis.
Moderados não são mediadores de debate; pelo contrário, são agentes do debate com foco na resolução de problemas. Moderados estão dispostos a ceder seu protagonismo para a construção de país melhor.
4. Moderados não são “isentões”
Moderados apresentam posições claras sobre seus posicionamentos políticos, mas eles não agem com hostilidade com quem pensa diferente. Exercitam a humildade como uma virtude fundamental do fazer político.
5. Moderados não negam experiências amplamente aceitas internacionalmente.
Moderados partem do pressuposto que toda ação ou política amplamente adotada no mundo democrático deva merecer atenção e importância no debate político. Logicamente que eles não se fecham a novas ideais, mas elas sempre devem ser comparadas com as ações já difundidas e exitosas.
6. O partidarismo não pode ser ofuscante.
Moderados não enxergam a política partidária como uma seita. Logo, por mais que componham o quadro de um partido, e militem para ele, são capazes de reconhecer boas práticas em oponentes e de criticar colegas de trabalho.
7. A coerência é dinâmica.
Não existe uma resposta correta e única para as grandes questões políticas apresentadas sob contextos diversos, por isso, moderados entendem que cada conjuntura acomoda uma solução mais viável. Uma política moderada é capaz de buscar essas soluções a partir da tensão entre duas ou mais visões, considerando que cada uma possui um pedaço da verdade. Moderados entendem que a política é um desdobramento dinâmico, não um debate que pode ser resolvido de uma vez por todas.
O movimento do Trevo quer trabalhar para reforçar essas posturas na política.
Acreditamos que se os moderados não tomarem o protagonismo do debate político o que teremos é uma cidadania cada vez mais pobre. A consequência de uma sociedade sem moderados, ou com moderados sem voz, é uma sociedade desproporcional, exatamente como a que vemos hoje, onde a justiça social é construída a partir de visões distorcidas e radicais dos problemas.
A sociedade precisa exercitar a moderação para conseguir enxergar outros pontos de vistas. Quando são liderados por extremistas a coletividade passa a olhar o mundo de forma maniqueísta e não apenas o julgamento é ilógico, mas as consequências desse julgamento também. Ou seja, se você não é um cidadão de bem, você é assassino e merece morrer. Se você não milita contra o racismo, você é racista e merece ser preso. E por aí vai.
A ditadura do extremo traz consequências gravíssimas para a nossa democracia. Além de questionar a própria justiça como instituição, pois cria uma visão paralela de legitimidade, ela cala a reflexão de pensadores, que passam a ter medo externar suas ideias de forma pura e autoral. É urgente reconstruímos um ambiente equilibrado e razoável no debate político brasileiro.
Nesse artigo expusemos os conceitos que nortearão o Movimento do Trevo. No próximo artigo, apresentaremos como o Movimento irá atuar junto a sociedade para sensibilizar cada vez mais moderados a tomarem a rédea da política nacional.
Foto: LTD Commodities