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Livres para discordar?

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*Fernanda De Gasperin

Discordar de verdades estabelecidas nem sempre é fácil, ainda mais numa era em que algoritmos aproximam pontos de vistas parecidos e afastam os contrapontos. Não ter a liberdade de discordar dá margem para que descobertas sejam suprimidas, que evoluções deixem de acontecer.

A internet permitiu que sem intermediários acessássemos informações de qualquer lugar do mundo ao mesmo tempo em que permitiu que fornecêssemos informações para a rede. No mundo virtual, bem como no mundo real, cada indivíduo responde por seus atos e por seu conteúdo criado. Como sociedade, estamos tão acostumados com um intermediador central que muitas pessoas acreditam que o mesmo deva acontecer com a rede. No final das contas, como todo poder centralizador, esse intermediário violaria o princípio básico da evolução e inovação que é a liberdade do indivíduo de questionar ou até mesmo discordar.

Apesar de parecer algo que surgiu na era da internet, vivenciar opiniões diferentes é um comportamento que existe desde tempos remotos. Seja isso um fenômeno da abundância de informações, da sede de engajamento ou ainda das bolhas geradas pelos algoritmos, os questionadores estão sendo calados – ou, como se diz, “cancelados”. Imagine se, muito antes de surgir a ideia da internet, os questionadores da verdade tivessem sido cancelados. Poderíamos ainda hoje acreditar em verdades absolutas do passado, ou muitas inovações teriam sofrido atraso temporal.

Um exemplo simples foi o desafio de provar que a Terra girava em torno do sol, e não o contrário. A sociedade, guiada pela Igreja, acreditava na teoria do geocentrismo. Galileu Galilei, a partir dos estudos de Nicolau Copérnico, provou a veracidade da teoria heliocêntrica. Passou a divulgá-la e defendê-la, até ser condenado pela Santa Inquisição por heresia. Para evitar que fosse queimado vivo, Galileu Galilei viu-se obrigado a renegar suas descobertas em uma falsa confissão.

Galileu foi quem iniciou o movimento científico, discordando de uma verdade absoluta. Essa mesma ciência que é construída por meio de teorias, hipóteses e testes e que terá sempre em sua base o questionamento. Confiar cegamente na ciência, hoje, é sinalizar virtude; questionar (como um bom cientista) é negar sua existência. Pesquisas, descobertas e inovações não funcionam com confiança e presas a bases imutáveis. A ciência e a inovação prosperam justamente por meio de questionamentos. É necessário termos a liberdade de discordar, para que se possa reforçar o conhecimento existente ou descobrir novas verdades.

Se Galileu vivesse na atualidade e tivesse divulgado suas observações em alguma rede social, certamente seria cancelado pelo tribunal da internet. Se apresentasse sua teoria em uma sala de aula, talvez teria sido repreendido por seu professor. Cabe o questionamento: será que atualmente seria permitido que Galileu propusesse uma teoria absurdamente diferente, ou seria considerada “fake news”?

Como evoluiremos se há apenas um lado que possa ser o certo da história? Como permitiremos que mentiras sejam desmascaradas se não há espaço para discordar? Em um caso mais recente, não em uma rede social, mas em uma sala de aula, um aluno foi repreendido e hostilizado em público por trazer um ponto de vista diferente do apresentado por uma palestrante e seu professor. O caso, apesar de ter ocorrido longe das redes sociais, ganhou atenção por meio delas. A percepção desse episódio é que não há espaço para questionar e muito menos discordar.

Para entender o futuro, basta olhar para a história. Se o aniquilamento de ideias, como as da Inquisição, resultou em bloqueios nos avanços da sociedade, é nítido que os canceladores de hoje em dia cumprem o mesmo papel. Imagine o atraso de uma sociedade se todo questionamento ou nova teoria proposta fosse calada. Que outras evoluções de ideias, pensamentos e inovações estão sendo retidos?

Opiniões divergentes são portas de entrada para questionamentos que nos fazem evoluir. Se não pudermos questionar, não teremos mecanismos para confirmar verdades absolutas. A liberdade pode gerar o inconveniente de se fazer ouvir opiniões contrárias, porém, certamente é o mecanismo mais apropriado para a evolução. Resta entender se ainda somos livres para discordar, ou se precisaremos de uma Inquisição para decidir se somos hereges ou não.

*Fernanda De Gasperin é associada do IEE.

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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