José Lins do Rêgo, escritor paraibano e um dos pais da literatura romancista regionalista brasileira, em seu romance “Fogo Morto” conta a história de um engenho de cana de açúcar que, outrora próspero, entra em declínio até sua final falência, daí o nome de fogo morto, que era como se denominavam os engenhos inativos. A história traça o perfil das figuras decadentes de uma sociedade que orbitava ao redor da atividade econômica do ciclo do açúcar.
Durante essa trajetória rumo à inatividade, o engenho é administrado por “Coronel Lula” que, apesar de frívolo, autoritário, vaidoso e corrupto, é percebido pela sociedade como bondoso, caridoso e devoto. Em paralelo, é apresentada ao leitor a personagem de Mestre José, trabalhador tradicional residente naquelas terras que se vê preso a um ciclo de miséria reflexo direto dos rumos do engenho, que, progressivamente, vai entrando em “fogo morto”.
Ou seja, a depressão econômica causada pela inaptidão e corrupção do coronel Lula leva a que José, vítima da decadência econômica da sociedade, se torne, progressivamente, uma pessoa rude, violenta e malvista pela comunidade, que passa a enxergá-lo como um lobisomem endemoniado. Em outras palavras, a situação de José é de responsabilidade direta de Lula que, aproveitando-se de estruturas institucionais excludentes e corruptas, contribuiu para o fim econômico do Engenho e de toda a região.
Essa mesma narrativa, que foi editada por volta de 1940, poderia ser, de maneira extremamente válida, transposta para os dias atuais, em que “coronéis Lula”, aproveitam-se de fraquezas e deficiências institucionais, utilizam-se em benefício próprio das estruturas sociais, causando a miséria, a revolta e a violência dos Josés.
São os grileiros que, após expulsar indígenas e ribeirinhos, desmatam a floresta e colocam poucas cabeças de gado para assegurar o título daquelas terras. São aqueles agentes econômicos inescrupulosos que despejam seus resíduos diretamente na natureza. São os corruptos que moldam as instituições ao seu aproveitamento, facilitando toda a sorte de desvios e favorecimentos, em desfavor da educação, da saúde e da segurança.
Os Lulas aprisionam os Josés nas masmorras da desigualdade e da carestia, aumentando as pressões ambientais e sociais brasileiras. E assim como em “Fogo Morto”, os “coronéis Lula” continuam louvados, enquanto os Josés são apedrejados.
Para que esse ciclo vicioso seja quebrado, para que pressões ambientais e sociais sejam eliminadas, a conscientização individual é de suma importância. Logicamente que as ações pequenas são de extrema importância, mas elas devem ganhar ressonância na união sinérgica dos cidadãos em favor de políticas públicas que se pautem no bloco “ESG”, na liberdade e na justiça.
Acima de tudo, as individualidades e as coletividades devem ter a consciência da atuação política em favor de um Brasil “ESG”. São necessários mais que votos, mas efetiva participação política social, na certeza de que, para que se tenha uma sociedade ambientalmente sustentável, é necessário que se suavizem as desigualdades sociais. Para isso a atividade de combate e prevenção à corrupção é uma condição “sine qua non” para permitir o florescimento de um marco institucional e normativo que produza novas estruturas em nossa sociedade.
*Texto desenvolvido em parceria com André Naves, defensor público federal, professor e escritor.