Uma larga e histórica fraude eleitoral levou o Brasil a um ótimo sistema de coleta de votos, que nasceu do fato de o país possuir um segmento específico e especializado da Justiça para fiscalizar as eleições, garantir a confirmação da vontade do eleitor nas urnas e assegurar que a competição seja a mais justa possível, na esteira das leis.
Contudo, tem gente que acha as urnas eletrônicas um horror, uma coisa feita para enganar o povo e sai a dizer que se o sistema fosse bom, outros países melhores que o nosso já o teriam adotado. Não o adotam. E daí? Por que não podemos nós, brasileiros, inovar com inteligência e melhores resultados?
O sistema de urnas eletrônicas criou uma forte barreira a um elemento essencial para as fraudes nas eleições brasileiras, principalmente, no Rio de Janeiro: o longo tempo para a apuração dos votos. As mesas de apuração andavam devagar à espera dos compradores de resultados. Quem os comprava só tinha interesse em comprar porque conseguia, ancorado na lentidão, saber quantos votos eram necessários para ser eleito.
É preciso aprimorar o sistema de urnas eletrônicas? Pode ser que sim, mas a dúvida sobre ele nada tem a ver com o tipo das urnas e sim com o grau de confiança dos candidatos na Justiça Eleitoral, que é a única responsável pela apuração dos votos e declaração dos resultados. Vejam que essa é uma desconfiança ainda sem uma causa concreta e comprovada.
A verdade é que, atualmente, ao Tribunal Superior Eleitoral está entregue a responsabilidade pela apuração dos votos. É confiar ou desconfiar. Mas, se a decisão for pela desconfiança, que se desconfie então de todo o processo, porque o infiel no pouco será infiel no muito. Um processo que vai do registro das candidaturas à proclamação dos resultados e diplomação dos eleitos é completo e está, no Brasil, entregue à uma Justiça especializada.
O Fundo Eleitoral é, igualmente, contestado, mas não por gente que desconfia da honestidade do Tribunal Superior Eleitoral. O argumento dos contrários é o fato de a sociedade bancar os custos das campanhas eleitorais. “Um absurdo!”, dizem. Mas, desde sempre a sociedade banca os custos das eleições.
Quem se levanta contra o Fundo Eleitoral com o argumento de que o dinheiro do povo deveria ter destinação mais nobre, por coerência, está com a obrigação de dispensar as exposições de seus candidatos nos horários eleitorais de TV e rádio, custeados, de igual maneira, com o dinheiro do contribuinte. Mas não! Eles lá estão bonitos e faceiros.
Na dúvida sobre como funcionam as campanhas financiadas pelos empresários ricos, os críticos do Fundo Eleitoral deveriam deter-se mais no estudo do que foi a experiência brasileira, que é de dias bem próximos de nós. Agora, se quiserem, com o Complexo de Vira-Lata, olhar para outros lugares, façam isso com relação aos EUA, onde o dinheiro privado financia tudo e nas campanhas, dos comitês à publicidade na TV. Contudo, lembrem-se que os americanos não se atrevem a eleger diretamente seus presidentes. Para que a democracia por lá sobreviva, a turma do Tio Sam precisa do filtro dos partidos.
Raymond Strother é uma das minhas leituras preferidas sobre campanhas eleitorais na América. Ele tem Clinton e Al Gore no currículo. Vejam vocês o que ele diz sobre o sistema de financiamento de campanhas adotado pelo Estados Unidos: “Eu detesto dizer isto, mas pessoas pobres não podem ser eleitas hoje em dia, depois que os comerciais de TV entraram no ambiente. Como alguém consegue se eleger nos Estados Unidos, se a televisão é a coisa mais importante e você precisa comprá-la? Se você é realmente pobre, provavelmente não tem amigos que sejam realmente ricos, porque pessoas ricas é que têm amigos ricos. Então, o que você encontra, no Senado particularmente, é um grupo de ricos, de gente muito rica. Alguns dos nossos melhores e mais brilhantes cidadãos não estão sendo eleitos para cargos públicos. É um grande perigo para nós que existam pessoas – gente de negócio, acadêmicos, pessoas que serviriam bem ao povo, mas que sabem que não têm uma chance em um milhão de serem eleitas. Consequentemente não concorrem…” (registro feito por Laurence Rees em “Vende-se Política”).
Por aqui, o Fundo Eleitoral organizou o sistema de custos das campanhas eleitorais de modo a evitar que os que, na sociedade, têm mais dinheiro sejam também os que exclusivamente têm poder. O Fundo Eleitoral evita que sejam eleitos só os ricos ou aqueles que têm amigos ricos e uma boa lábia para arrancar dinheiro dos ricos. O discurso contra o Fundo Eleitoral ou é hipocrisia ou ignorância sobre o modo como os ricos financiam as campanhas.
Alguém imagina que os financiadores das campanhas não exigirão contrapartidas? Ou nunca exigiram? Quem é capaz de imaginar isso chegou ontem de Marte, sem ter se comunicado com a política brasileira nos últimos 133 anos. Para estes, “Mentira das Urnas”, escrito em 2003 por Maurício Dias, deveria ser um livro de cabeceira. Maurício fez um apanhado histórico do processo eleitoral brasileiro desde os tempos da monarquia até a primeira eleição do sujeito Luiz Inácio. Ele mostra a relação direta entre dinheiro, voto e interesse dos financiadores. Um alerta para o que veio logo depois.
Há que se aprimorar o modo como o Fundo Eleitoral é utilizado? Disso eu não tenho dúvidas, mas a questão não está na existência dele, mas no fato de os partidos políticos serem os administradores discricionários do Fundo, sem a opinião ou interferência dos filiados e sem o rigor da verificação.
É hora de a gente acabar de vez com o senso de inferioridade que, também na política, faz do povo brasileiro, uma sociedade com Complexo de vira-lata, uma expressão criada por Nelson Rodrigues para o sentimento dos brasileiros com a Seleção Brasileira de Futebol. Mas, não posso citar “À Sombra das Chuteiras Imortais”, sem fazer o contraponto com outro livro, mais moderno, “O Elogio do Vira-Lata”, do Eduardo Giannetti.
O livro do Giannetti é tão magnífico como são as crônicas do Nelson Rodrigues. Diz Eduardo: “Nelson foi muito feliz – é o verdadeiro ovo de Colombo – quando, no contexto da Copa de 58, advertiu que se o Brasil não se livrasse desse complexo de inferioridade – o Complexo de Vira-Lata, perderia a Copa. Agora, qual a razão de chamar esse complexo de inferioridade de Complexo de Vira-Lata? Eu prefiro ser um vira-lata a ser um poodle de uma madame ou o doberman da polícia…”
Ora, sem a devida licença de Eduardo Gianetti eu afirmo que se na política não nos livrarmos do Complexo da conspiração, situação que pretende nos diminuir diante do mundo das democracias, corremos o risco de fazer a travessia do deserto às avessas, para bater novamente no Egito para ser escravos.
Valeu gente!