Em notas tímidas, foi divulgada a prática de sexo grupal por alunos do Colégio Pedro II, na faixa entre 12 e 19 anos, em unidade escolar do Rio. Segundo as notícias, o estabelecimento teria instaurado um processo disciplinar, e a polícia uma investigação, com advertência ao Conselho Tutelar. Porém, o evento caiu no esquecimento da mídia, e nem a escola, nem as autoridades policiais, as do MP, ou judiciais demonstraram preocupação em apurar e punir a realização de uma bacanal na instituição de ensino, em uma inércia conivente do mundo adulto com a sexualização precoce e os estragos dela decorrentes.
O fato me trouxe à memória outro jovem, cuja trajetória remonta ao início dos tempos, e que se tornou uma referência para o ocidente, não apenas pela beleza, como pela sabedoria à frente de um dos maiores impérios da antiguidade. Falo de José do Egito, figura do Gênesis que ganhou contornos vívidos na coletânea José e Seus Irmãos, onde Thomas Mann, com precisão anatômica, acompanha a saga desse herdeiro de Israel e favorito do patriarca, desde seus verdes anos ao lado do pai em Canaã, passando por seu lançamento ao fosso e venda como escravo pelos próprios irmãos, até a ascensão a plenipotenciário de Faraó.
É mediante uma segunda venda que José, recém-chegado ao Egito, se torna criado do cortesão castrado Petepré, primeiro lidando com serviços brutos, para, em seguida, atuar como braço-direito do intendente, e, após o falecimento deste, passar a ser, ele mesmo, o gestor da casa. Somente então é que desperta os olhares da esposa do dignitário, Mut, que, fracassada na tentativa de renegar o próprio desejo, se entrega ao assédio diuturno do novo administrador. Durante três anos de obstinada caça, José, a presa, nem rompe o canal das comunicações provocativas, o que estaria a seu alcance, nem cede à tentação da mulher do castrado. Como diz Mann, conduz ao extremo o amor da senhora, como já havia, em sua vida pregressa, levado ao auge a ira dos irmãos, e passa a cavar o seu “segundo fosso”, que viria a ser o encarceramento injusto, como pena para o estupro jamais praticado contra a egípcia.
Naquele triênio de encontros melosos com Mut, a ambiguidade na conduta de José descortina um conflito entre sua soberba, no deleite de sentir-se cortejado e na autoconfiança de gerenciar a situação sem traumatismos, e sua preocupação em permanecer casto. Contudo, quais motivos teriam levado o hebreu, que, mais tarde, viria a casar e ter filhos, a demonstrar tamanha obstinação com a própria castidade, logo no ápice da formosura, da solteirice, e da ebulição dos hormônios? Como explicação a essa reação anômala aos desejos, ainda mais em idade, por si, convidativa à volúpia, Mann elenca razões que induziram José a transformar uma monótona privação de prazeres em uma castidade alegre, e até arrogante.
Em uma sequência de solilóquios mentais, de duração incompatível com o imediatismo da satisfação dos prazeres, o filho de Israel concebe motivos das mais diferentes ordens para “conservar-se puro”, em uma lista que rende uma dezena de páginas de Mann. Assim, seja pela consciência de ser o escolhido de Deus para trilhar um caminho austero rumo a grandes feitos, seja pela recusa em trair a confiança de Petepré, seja ainda pelo apreço a uma virilidade que não lhe permitia ser mero objeto da cobiça de outrem, certo é que o José retratado por Mann consegue racionalizar um desejo carnal, fazendo triunfar sua deliberação sobre os impulsos da natureza. Apesar de encarcerado após a denúncia caluniosa de Mut, José encerra esse episódio ainda mais senhor de si e mais livre, até da tirania dos próprios instintos.
Imagino que, se tivessem tido acesso a estórias como a de José, talvez os jovens do Pedro II tivessem freado seus impulsos, pelo menos na escola. Mas, a quem interessa disseminar o exemplo bíblico inspirador de Mann, no país onde o populismo só se perpetua graças à ignorância de uma massa paralisada pela bestialização?
Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil