Há quem diga que vivemos tempos singulares na política brasileira. Nada disso. Estamos diante de uma nova versão de um filme que esteve em cartaz em 1989.
Nas ruas, hoje vemos o povo brasileiro mobilizado, uma peça que fez sucesso em 1964, ano em que o povo brasileiro fez vigília nas ruas para pedir que o Exército tomasse conta do país, para afastar o comunismo. Aconteceram as marchas da família, com Deus, pela liberdade.
O Congresso, então, sentiu-se autorizado a empurrar o Presidente da República para fora do poder e, quando viu, o Exército tomou conta. O povo gostou. Os parlamentares nem tanto, porque acreditaram que seria uma intervenção curta, só para colocar ordem na casa. Não foi. O Exército colocou ordem na casa, bagunçou-a novamente e resolveu devolvê-la ao povo. Isso durou 25 anos.
O povo retomou o leme em 1988, com uma nova Constituição e, em 1989, elegeu o Presidente da República.
O embate na campanha de 89, se deu, no primeiro turno, entre Lula, Brizola e Fernando Collor de Mello. Lula e Brizola, pela esquerda que fora defenestrada no passado e Fernando Collor pela direita que assumira em 64. Era o passado contra o presente. Separados, Lula e Brizola possibilitaram a entrada de Fernando Collor de Mello no segundo turno com uma margem folgada de 15 % dos votos válidos. Lula, então, disputou o segundo turno. Collor bateu abaixo da cintura e venceu por ter dinheiro em excesso e a ajuda do sistema Globo, ainda sob o comando centralizador de Roberto Marinho, o mais influente representante da direita. Portanto, dois pólos fincaram suas bandeiras no terreno da política: de um lado Lula, e de outro Collor.
Fernando Collor de Mello entendeu que venceu a eleição por estar afastado dos políticos tradicionais e adotou a mesma postura quando assumiu o governo. Os integrantes do polo oposto onde estava Lula não
aceitaram a derrota na eleição e partiram para cima de Fernando Collor, que, isolado, enfrentou uma campanha dura contra ele.
Num depoimento insuspeito ao Conexão Repórter, bem depois do impeachment de Collor, seu tesoureiro na campanha e inimigo no momento da entrevista e já quase destroçado, confessou: “Fernando não estava preparado para governar o Brasil. Era um jovem de 40 anos de idade. Foi imperador, deu ordens sozinho, não negociou, não transigiu e por isso caiu”. Qualquer semelhança, mera coincidência?
Quando percebeu o risco de perder a presidência, Collor fez um arco de composições e cedeu as cadeiras do ministério para as forças políticas tradicionais. Antônio Carlos Magalhães assumiu o papel de interventor e figuras brilhantes como Célio Borja, Marcílio Marques Moreira, Bornhausen e outros tomaram conta do poder. Era tarde. Collor caiu e o PSDB assumiu o polo ocupado por ele no enfrentamento com o PT. Percebia-se que os militares saturados daquele jogo, olharam para o lado.
Assim seguiu a política brasileira, até que, em 2018, Jair Bolsonaro empurrou o PSDB e ocupou o polo contra o PT. Então, voltamos ao desenho ideológico de 1989. Lula, o mesmo Lula que disputou com Collor, estava preso, mas mesmo preso, fez Fernando Haddad chegar ao segundo turno com mais de 30% dos votos válidos e conquistar mais de 40% dos votos no tempo derradeiro. Lula estava preso e estava vivo.
Jair Bolsonaro, representante das forças da direita, tentou governar, mas a esquerda, no poder desde Itamar Franco, está nas entranhas do governo, no Judiciário, nas Universidades, na imprensa, e entendeu que o povo errou ao entregar o poder a Jair Bolsonaro. Então, ela mexeu os pauzinhos para impedir que os valores que Jair Bolsonaro representa fossem vitoriosos. O mais perigoso deles para a esquerda, o apreço que tem pelo Estado, porta de entrada para administrar com liberdade o dinheiro do contribuinte.
A esquerda procurou um líder para enfrentar o “cara da direita”. Não encontrou. Então, trouxe quem tinha para o embate. Lula estava solto e doidinho para assumir o papel. Ou foi solto só para cumprir o papel. Não se sabe, porque esse segredo está guardado a sete chaves na consciência de quem decidir anular os processos e soltar o preso.
Bolsonaro passou pela pandemia e deixou a CPI do Senado, Mandetta e Dória na poeira. A esquerda precisava fazer alguma coisa e colocou Lula em campo, que entrou montado nos 40% dos votos que teve enquanto preso. Bolsonaro não se incomodou com a presença do Lula e desprezou quem poderia ajudá-lo, Moro, por exemplo. Bolsonaro, eu acredito, chegou a pensar que seria fácil. Afinal de contas, Lula pesa em situações que o povo, gente boa, sempre condenou.
Jair Bolsonaro levou o povo às ruas, tendo como tema o risco das urnas eletrônicas e não a crítica à decisão do STF que colocou Lula na disputa. Contra as urnas, o presidente falou no comício do Dia da Independência em 2021; falou na reunião com os embaixadores, falou nas trocentas lives que fez. As urnas viraram a obsessão de Jair Bolsonaro e de seus aliados.
A imprensa, tomada pela esquerda e hostilizada todo o tempo pelo Presidente, abriu mão da defesa da liberdade de expressão e dos colegas que estão à direita nas fileiras de Jair Bolsonaro, porque vale tudo para derrotar o “odiento” presidente. Em nome do ódio a ele, para a imprensa, passou a valer a pena abrir mão da liberdade.
Os aliados do Presidente estão nas ruas a exigir explicação para a derrota, que não se justifica diante da imagem das multidões de brasileiros e brasileiras nas ruas durante a campanha e das dificuldades que a Justiça criou para a campanha do presidente nas redes, na TV e na rádio. Ao lado disso, aparecem denúncias de fraudes. Tudo narrativa? Tudo verdade? Sabe-se lá. Fala-se num tal relatório do Exército, mas ele não aparece. O Juiz Eleitoral não admite ser contestado no trabalho que fez e que, por avaliação própria, é de excelência.
Os polos permanecem vivos e um deles entregue, desde sempre, ao Lula e ao PSDB. Colocados antes em pólos opostos para não dar espaço para a direita, PT e PSDB uniram-se, quando Jair Bolsonaro ocupou o espaço.
Como isso tudo acabará? A democracia tem os caminhos. Alguém precisa liderar o povo, que no momento, anda em círculos pelo deserto sem ter quem lhe abra o mar de acesso à democracia plena.
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