Não poucas vezes, escrevi sobre o Partido Novo e sobre João Amoedo. Hoje é só mais uma. Incomodo-me com o partido porque conheço bem como os partidos funcionam e permaneço com a percepção de que o Novo pode ser uma alternativa para pessoas que desejem participar da política sem o preço que a política às vezes cobra.
Jair Bolsonaro sacudiu o Partido Novo. Quando comenta sobre o motivo de existir o Partido Novo, o criador João Amoedo diz: “Pra mim estava claro, com a cabeça de engenheiro, com mania de racionalizar muito as coisas, que a gente coloca muito dinheiro no governo para sair quase nada do outro lado. Tem algum problema com essa máquina. O jeito é a gente levar pessoas competentes para dentro do governo para fazer as coisas funcionarem. O caminho seria ter um partido. Eu nem tinha muita ideia de liberalismo. Como engenheiro eu nunca tinha estudado muito sobre isso. E até no primeiro momento foi engraçado, porque alguns grupos liberais nos criticaram por nós querermos dar eficiência ao Estado. Esses grupos falavam: “não tem como dar eficiência ao Estado. O Estado é ineficiente por natureza. Não tem como”. E João continua: “Mas, na nossa cabeça, a gente queria melhorar a atuação do Estado nas áreas essenciais. Obviamente, com o tempo a gente foi entendendo como se faz esse processo. Aí me meti nessa história da fundação do partido. Vencemos uma burocracia infernal. É um modelo feito para não funcionar. Quer dizer, a montagem dos partidos exige muita coisa e não é atoa que todos os partidos existentes hoje, ou foram decorrentes de de alguma dissidência ou de sindicatos ou de algum grupo religioso. Demoramos quatros anos e meio. Mas, o fato é que a gente conseguiu formar e aí algumas coisas da iniciativa privada eu quis levar para o partido. Primeiro a ideia de ser uma instituição…para ser duradouro. Outro exemplo da iniciativa privada que a gente levou para o partido foi a ideia da eficiência motivadora do cliente. Ou seja, quando a empresa não é eficiente, o cliente vai embora e a empresa fecha, o que não acontece com as empresas públicas nem com os partidos que recebem recursos do governo, representados pelos fundos partidário e eleitoral. Eles mascaram a ineficiência”. O sonho do João foi uma alusão à liberdade que o cérebro tem para interpretar o que pensa ver. Uma ilusão de ótica.
Um partido político é instrumento para se chegar ao poder e fazer coisas importantes. João está certo. Só não está quando limita o conceito de “coisas importantes” às virtudes e não considera os vícios. O poder vicia e não pelo lado bom.
Jair Bolsonaro provocou no partido Novo um furacão que na escala Saffir-Simpson estaria na categoria mais alta. Um senhor furacão! João Amoedo fez o núcleo do Novo rodar e o partido saiu como um pião doido na campanha de 2022. João foi candidato em 2018 e saiu no primeiro turno para, no segundo turno, votar em Jair Bolsonaro. O Novo elegeu um governador e oito deputados federais. Fez alguns estaduais, mas todos eles e elas com uma compreensão: Jair Bolsonaro fez mais pela eleição deles do que João Amoedo e João não fez essa leitura.
A confusão no Novo tomou forma quando João Amoedo sinalizou a vontade de ser candidato a presidente em 22 e marcou posição com a bandeira do impeachment de Jair Bolsonaro, sem combinar com o partido. Os deputados federais do Novo, os estaduais e o governador, não gostaram em razão do resultado que tiveram na campanha de 2018 com a imagem de Bolsonaro. Travou-se uma luta interna com visibilidade externa, porque João Amoedo, mesmo não sendo mais o presidente do partido, era a voz e o rosto dele.
No meio disso, surgiu o engenheiro e hoje comunicador Roberto Motta, pessoa que, com João Amoedo criou o Novo. Roberto Motta publicou o livro “Os Inocentes do Leblon” com críticas ao João Amoedo e ao partido. “Os inocentes do Leblon” é título de um dos versos de Carlos Drummond de Andrade: ” Os inocentes do Leblon não viram o navio entrar. Trouxe bailarinas? Trouxe emigrantes? Trouxe um grama de rádio? Os inocentes, definitivamente inocentes, tudo ignoram, mas a areia é quente, e há um óleo suave que eles passam nas costas e esquecem.”
Os proeminentes no Novo fingiram não saber do livro do Roberto Motta, embora ele viajasse por vários lugares pelo Brasil para apresentar o livro. O Novo preferiu o silêncio, para mostrar desprezo, acredito. Quem sabe?
Pois bem, João Amoedo pregou o impeachment. Aos olhos da estratégia, sendo ou não sendo esta a intenção do Amoedo, claro é que
ele escolheu o adversário certo num ambiente de absoluta polarização. Terceira Via? Quando Lula entrou no páreo a chance de uma avenida pelo centro desapareceu. Portanto, quem quisesse ser competitivo deveria incomodar Bolsonaro ou Lula e nunca Bolsonaro e Lula ao mesmo tempo. Tratei disso diversas vezes. Uma delas no artigo, Terceira via. Tem isso mesmo?, publicado no Boletim da Liberdade no dia 14 de junho de 2021. Nele, comentei a declaração do João Amoedo de ter desistido de ser candidato a Presidente. Escrevi: “Será mesmo? Eu tenho dúvida, porque sem a candidatura dele o partido Novo terá dificuldades para eleger deputados federais em número suficiente à garantia de sobrevivência do projeto do partido de ser relevante na Câmara dos Deputados…”. Eu estava certo. A campanha de 22 mostrou isso e sobre a impossibilidade de se ter uma “Terceira Via”, contei com a opinião do meu amigo, companheiro de podcasts, Mário Marques, jornalista e escritor. Ele disse várias vezes: “quem bater nos dois perderá os eleitores de um e não abrirá espaços para os eleitores do outro”. Foi o que aconteceu com Ciro, Tebet e com o candidato do Novo, Luiz Felipe D’avila. Votei nele, mas sabendo que foi uma candidatura criada pelo partido para bloquear o acesso de João Amoedo à disputa.
Quando João Amoedo propôs o impeachment a bancada de deputados federais do partido reagiu. João insistiu. A bancada continuou na reação. Até que João Amoedo, desavisadamente, reivindicou o retorno à Presidência Nacional do Novo. Buscou o apoio dos diretórios regionais e dos vice-presidentes nacionais do time dele e, novamente, sem combinar o jogo. Os diretórios no Novo são formados por quem não disputa eleição e, portanto, não tem mandato eletivo, coisa de partido que não gosta da política. A reação foi logo. Os únicos governador e prefeito do partido, Romeu Zema, de Minas Gerais, e Adriano Silva, de Joinville, abraçaram os deputados federais e o presidente Eduardo Ribeiro. A turma reuniu-se em Minas Gerais e mandou um recado ao João Amoedo, que pode ser traduzido como “Nós mandamos no partido…Você, caro João é só um filiado chato, inoportuno”. Mas, João tinha, de fato, a declaração de voto dos diretórios. Tam,tam.tam.tam…Os diretórios tiraram o tapete do João. Ah! Tem razão André Gide, o maravilhoso escritor francês, Nobel de Literatura, autor de algumas obras ótimas, uma delas, “A Volta do Filho Pródigo”. Gide escreveu sobre a decepção: “No fundo de cada decepção há, para quem sabe entendê-la, um bem feito”. Em 2022, João declarou voto no Lula e deu uma explicação qualquer para esconder o desejo de emergir. João estava meio esquecido. Tentou sair do esquecimento com a declaração de voto nulo, mas o fato não produziu polêmica. Ele, então, partiu para a declaração de voto no Lula e conseguiu o que queria: ser novamente relevante. Foi assunto no partido Novo, que decidiu afastá-lo por um tempo. Ele terminou desfiliando-se.
O calor da personalidade do Jair Bolsonaro derreteu o partido Novo. Certamente, Romeu Zema tem vontade de concorrer à presidência em 2026, mas, para tanto, precisará recriar o partido, aproveitando o que ainda ele tem de bom nos quadros e expurgando o que tem de ingenuidade e maldade. É aconselhável fazer política sem maldade, mas isso exige um exercício enorme de boa vontade. Mas, fazer com ingenuidade como faz João Amoedo, isso é impossível.