*Raphael Penteado
Por meio de um comunicado no qual teceu diversas críticas ao Partido Novo, o banqueiro João Amoêdo anunciou sua desfiliação da legenda, da qual participou como membro fundador. Quem acompanhou a trajetória de Amoêdo observou atônito ele passar da principal liderança do NOVO para o seu maior antagonista, saindo para não ser expulso. Por vários anos João trabalhou para sabotar o próprio partido em uma empreitada egóica e mal sucedida, que ao longo do tempo alienou-o completamente da ampla maioria dos filiados, chegando em seu estágio mais solitário e frustrante na última semana: a sua capitulação e resignação perante a uma completa falta de credibilidade. Nesse artigo, discorro sobre essa odisseia, do ponto de vista de quem acompanhou tudo isso de perto.
O Partido Novo foi fundado em 2011 como um movimento organizado por cidadãos comuns insatisfeitos com a política no Brasil. O NOVO sempre defendeu valores e princípios bastante claros: liberdade com responsabilidade, igualdade perante a lei, visão de longo prazo, o indivíduo como sujeito central – agente de mudanças e gerador de riquezas, assim como a defesa do livre mercado.
O partido também conta com diversas inovações do ponto de vista estrutural, como por exemplo, o veto à utilização de dinheiro público para a manutenção partidária e a divisão de poderes: mandatários eleitos não participam da gestão partidária. Foi assim que eu conheci o Partido Novo e me encantei por seus ideais. Até então, nunca havia ouvido falar em João Amoêdo.
Milhares de pessoas em todo o Brasil mobilizaram-se em torno do projeto, ajudando o partido a eleger o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, e a construir uma bancada federal de oito deputados, já na sua primeira participação em uma eleição geral. Foi um sucesso. À frente desse esforço estava ele, João Amoêdo, em um primeiro momento como presidente nacional do partido e, depois, como candidato a presidente pelo NOVO. Passada a eleição, o João voltou à presidência do partido, algo que já criava uma rusga em uma das bandeiras do partido – a separação entre gestão partidária e candidatos.
Desde o princípio dos seus mandatos, Zema e os deputados do NOVO enfrentaram enormes desafios. Os oito deputados federais representavam menos de 2% da Câmara e precisavam lutar diariamente contra o sistema retrógrado da política tradicional. Era uma batalha desleal, um verdadeiro Davi contra Golias. Em Minas Gerais, o governador Zema herdou um Estado completamente falido depois de uma gestão desastrosa do PT e ainda teve que enfrentar a tragédia de Brumadinho.
Desde o início do Governo Bolsonaro, no começo de 2019, o NOVO adotou uma posição de independência ao governo. O partido defendeu as pautas que acreditava serem positivas para o Brasil e sempre apontou erros onde quer que os encontrasse. Sempre defendemos que o partido deveria se pautar por ideias e não pessoas. Portanto, não fazia sentido um alinhamento à base governista. Com muito trabalho dos nossos deputados federais, foi possível avançar temas importantes para o Brasil, como a reforma da previdência, o marco do saneamento, a MP da liberdade econômica, entre tantas outras.
No entanto, com o passar do tempo, foi ficando claro que João Amoêdo reservava para si próprio outros planos, menos altivos, mais egocentrados. Em março de 2020, o banqueiro abandonou a presidência do partido para, em suas próprias palavras, ter “mais liberdade para expressar suas opiniões”. Amoêdo já havia decidido que Bolsonaro seria o mal a ser combatido a qualquer custo.
A partir daquele momento, para ele, não havia mais posição aceitável que não fosse a de total oposição ao governo vigente. Não havia mais pauta positiva para o Brasil, independente do conteúdo do que fosse proposto pelo governo, tudo passaria a ser refutado por ele, que também instigava os demais membros do partido a atacarem essas pautas, sem entrar no mérito de quais seriam elas.
O partido que defendia ideias e não pessoas foi defenestrado por aquele que se auto intitulava um de seus fundadores. Amoêdo deu início a uma cruzada quixotesca e autofágica, que tornou o Partido Novo palco de uma guerra santa, desperdiçando esforços e provocando desgastes entre nossas melhores mentes, se digladiando em praça pública por motivos contraproducentes para a melhoria do país.
A principal arma nessa batalha: narrativas fantasiosas de dar inveja à J.K. Rowling. Amoêdo travou essa batalha com bastante habilidade, na qual contou com o auxílio de sua agência de assessoria de imprensa pessoal. Todos que não concordassem em gênero, número e grau com seu ponto de vista se tornavam, automaticamente, bolsonaristas. Independente se o próprio filiado tivesse trabalhado para eleger o próprio Amoêdo contra Bolsonaro. Pelas narrativas montadas por amoedistas fanáticos, esses “bolsonaristas” do NOVO eram criaturas que ficaram esse tempo todo escondidas, aguardando o momento certo de agir, à espreita, prontas para emboscar os puros de coração que defendiam o partido NOVO contra o mal bolsonarista.
Deixe-me analisar algumas dessas narrativas para desconstruir as falácias construídas por João Amoêdo. O banqueiro justificou um suposto desempenho negativo do partido nas eleições municipais de 2020 por conta de uma eventual “proximidade” do NOVO ao bolsonarismo. Mas, a verdade é que se compararmos ao desempenho de 2016, o partido cresceu. O único município em que o partido perdeu votos foi a capital do Rio de Janeiro, onde o candidato a prefeito do NOVO era justamente ligado ao Amoêdo.
Ele tampouco revelou que quem desenhou a estratégia das eleições municipais de 2020 para o partido foi o Diretório Nacional, presidido por ele. As resoluções internas 25 e 26 que estabeleceram os critérios para os diretórios municipais são assinadas pelo João. Foi justamente a resolução 26 que, arbitrariamente limitou o número de municípios onde o NOVO poderia disputar as eleições, o que teve um enorme impacto negativo na capilaridade do partido, desarticulou lideranças e desmobilizou filiados. O resultado final dessa decisão só foi possível observar nas eleições de 2022, quando o partido encolheu.
Amoêdo foi se tornando um incansável detrator do partido. Historicamente nenhum dos nossos adversários foi tão bem sucedido em nos prejudicar quanto um de nossos membros fundadores. Apesar dos desafios e das conquistas dos mandatários eleitos do NOVO, Amoêdo foi incapaz de elogiar suas ações e decisões. Quando foi nomeado candidato à presidência pelo partido com 90% dos votos dos membros do conselho nacional, ele não foi capaz de apaziguar os ânimos, ou buscar um diálogo.
Ora, como alguém que pretende presidir o Brasil poderia ser capaz de fazê-lo se não consegue dialogar com oito parlamentares do seu próprio partido? Foi então que os deputados, insatisfeitos com a atuação de Amoêdo, tentaram emplacar a candidatura à presidência do deputado federal Tiago Mitraud (até então ainda estava em curso o processo seletivo para escolha do candidato), mas eles fracassaram.
Para que o Mitraud fosse aceito pela convenção nacional, sua candidatura teria que reunir 50% + 1 voto do conselho nacional e este quórum não foi alcançado. Foi aí, vendo uma incrível oportunidade para criar uma narrativa e mais uma cizânia no partido, embora continuasse como o único candidato, que Amoêdo simplesmente abriu mão da candidatura. E a quem ele atribuiu essa culpa? Você já deve ter adivinhado: o inimigo invisível da mente esquizofrênica amoedista, essa figura ilusória que só existe na cabeça dele: os bolsonaristas do NOVO.
Com a guerra santa instalada dentro do partido o resultado não poderia ser outro: milhares de pessoas começaram seus processos de desfiliação. Mesmo após o partido ter aderido à campanha do Amoêdo pelo impeachment de Bolsonaro, o que nos custou a desfiliação de ainda mais membros do partido, a caça às bruxas do líder partidário continuava: mesmo os que permaneciam no NOVO, bastava discordar de Amoêdo para serem tachados de bolsonaristas do NOVO.
Amoêdo chegou ao ponto de celebrar a desfiliação do cientista político Christian Lohbauer, seu companheiro de chapa em 2018, candidato a vice-presidente nas eleições daquele ano, fundador do NOVO, argumentando que a saída de filiados contribuiria para a coesão partidária.
Acabou ficando nítido que, desde o início, esse era o seu principal objetivo – sangrar o partido. Sem habilidade política para avançar as pautas do NOVO, sem sucesso na mobilização junto aos filiados e com popularidade em baixa em todos os setores, apostou tudo em um projeto de poder autocrático e narcisista. Uma análise do perfil do Twitter do Amoêdo dos últimos dois anos revela que, dos 3 mil tweets publicados no período, apenas 2% deles mencionaram o Partido Novo. Quando fez referência, em sua grande maioria, é para criticar e atacar dirigentes ou mandatários. Em contraste, nesse mesmo período, Amoêdo menciona Bolsonaro em 30% dos seus posts. Será que esse é o mesmo Amoêdo que defendia um partido de ideais e não de pessoas?
A campanha de 2022 foi o momento em que, enfim, todas estas questões se escancararam completamente para a ampla maioria dos filiados. Pois se o objetivo fosse realmente derrotar o bolsopetismo, por que a escolha de boicotar a candidatura de Felipe D’Avila, que compartilhava das mesmas ideias que Amoêdo defendia? Se o objetivo era fortalecer uma candidatura que pudesse fazer frente a Lula e Bolsonaro, por que Amoêdo nunca sequer mencionou o candidato do seu próprio partido? Ele não foi capaz nem mesmo de pedir votos para qualquer candidato do seu partido a outros cargos eletivos.
E isso é facilmente explicável: o projeto do Amoêdo não passava mais pela construção de uma alternativa à política brasileira, e sim de um projeto pessoal de poder. Às vésperas das eleições de outubro, o banqueiro novamente bateu publicamente no seu próprio partido, concedendo mais uma entrevista atacando Romeu Zema e diversas outras lideranças partidárias. O único candidato que a família Amoêdo apoiou com uma doação nessas eleições pertencia a outro partido, e passou boa parte da sua campanha atacando o NOVO. O critério é claro: lealdade inquestionável à pessoa, não às ideias originárias do NOVO.
Quando Amoêdo enfim declarou voto em Lula no segundo turno, já estava claro que ele não tinha mais nada a ver com o NOVO e que ele havia perdido completamente contato com a essência do partido.
O NOVO foi fundado justamente para se contrapor à corrupção generalizada liderada pelo Partido dos Trabalhadores e a ideologia de um Estado inchado e aparelhado defendida pelo PT. Absolutamente tudo o que o NOVO abomina. Por isso, não foi surpresa para ninguém quando ele foi denunciado ao Comitê de Ética Partidária (CEP) do partido NOVO. No entanto, João Amoêdo não deixaria passar mais essa excelente oportunidade de se criar uma narrativa. Quando o CEP determinou liminarmente a suspensão da sua filiação, Amoêdo publicou um post alegando que três dos membros que votaram por essa decisão haviam sido nomeados apenas recentemente ao comitê, sugerindo que esta fosse uma ação arquitetada exclusivamente para prejudicá-lo.
O que ele omitiu foi que esses membros foram indicados para o comitê antes de sua declaração de apoio ao Lula por meio de um processo totalmente legítimo, dentro das regras estabelecidas pelo partido. Como o diretório nacional poderia adivinhar que Amoêdo se posicionaria publicamente fazendo uma declaração tão estapafúrdia quanto apoiar um candidato ao qual ele sempre delegou as piores críticas e que este anúncio de voto motivaria uma denúncia interna do partido contra ele? Mas ele não perderia jamais perder essa oportunidade para criar uma narrativa.
Como se não bastasse, em uma tentativa de intimidar os membros do CEP, todos eles filiados e voluntários do partido, Amoêdo entrou com uma denúncia crime contra estes membros no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que fossem enquadrados no inquérito das fake news. Absurdo de tamanha magnitude que logo foi descartada pelo Ministro Alexandre de Moraes.
A verdade é que a história de João Amoêdo no NOVO chegou ao fim antes mesmo da sua desfiliação. Ele nunca mais será nada dentro do partido. A ampla maioria dos filiados do NOVO hoje pensam como eu. Um manifesto de apoio ao Amoêdo foi organizado por simpatizantes do banqueiro e obteve a assinatura pífia de 200 filiados, o equivalente a 0,6% do total de 30.903 membros do partido atualmente. Uma boa parte dos seus asseclas, demonstrando mais uma vez que só lhes interessa seguir o líder, também anunciaram suas desfiliações.
Foi lamentável testemunhar de perto um político que foi tão importante para o NOVO totalmente perdido dentro da sua própria ideologia, se debatendo por um pouco de atenção. Todos nós já havíamos percebido que o projeto pessoal de poder de Amoêdo havia consumido todo o prestígio que ele gozava dentro do partido e isso estava chegando perto de um ápice insustentável. Ele continuava se vangloriando e tentando ganhar crédito como um dos fundadores do NOVO, mas a nós, ele já havia se tornado o afundador do NOVO. Para nós, Amoêdo já faz parte do passado distante. A nós, nos interessa agora o futuro.
Finalmente, o cerco fechou a um ponto que sobraram apenas duas alternativas a este cidadão: pedir a desfiliação ou ser expulso. Com receio da segunda hipótese, que invariavelmente o colocaria em uma situação vexatória e o impediria de se filiar novamente ao partido de forma vitalícia, optou pela menos dolorosa. A partir desse episódio, torna-se literal o que já acontecia na prática: Amoêdo saiu do partido para entrar na irrelevância.
*Raphael Penteado é filiado ao NOVO com formação em Ciências Políticas e Economia.