Três meses após as eleições de segundo turno, janelas e sacadas de prédios residenciais esbanjam pôsteres e bandeiras com o rosto do presidente eleito, por diversas cidades do país. É necessária uma reflexão sobre os motivos que levam eleitores a decorarem seus lares com imagens de políticos – como se fossem ídolos do pop ou do rock – e até que ponto isso é normal em uma democracia saudável.
Há quatro séculos, a monarquia absolutista atingia o seu auge, promovendo uma forma de governo na qual imperava o “direito divino do rei”. Era Deus no céu e o rei na Terra, usufruindo de um poder que representava a vontade do Pai Celestial. Nesse ponto da história, a visão do Estado como uma entidade paternal foi fortemente difundida, ainda que sorrateiramente.
Quatro séculos depois, as eleições presidenciais brasileiras de 2022 resultaram na vitória daquele que é amplamente conhecido como “o pai dos pobres”, caminhando para o seu terceiro mandato como presidente do país. A proeza em atingir isso faz com que Lula seja, senão o maior, um dos maiores líderes políticos da história do Brasil.
Os motivos pelos quais Lula chegou aonde está podem ser amplamente variados, mas o principal deles, de fato, é a sua retórica. Reproduzindo os passos de Getúlio Vargas, Lula sabe falar a língua do povo e, até mesmo aqueles que o abominam, concordam. Para os seus eleitores, as suas falas e discursos são providos de boas intenções, empatia, compaixão e, principalmente, determinação em salvar o país.
Um aliado imbatível de uma boa retórica é o populismo. Apesar de ser um termo ainda em debate, algumas características podem ser apontadas para entender o perigo de políticas populistas dentro de uma democracia. O culto à personalidade, o desenvolvimento de um forte carisma pessoal, o diálogo com as massas, as estratégias argumentativas e a propagação da figura de um salvador da pátria podem se tornar verdadeiros artefatos políticos de manipulação e busca incessante pelo poder.
Em uma conjuntura de polarização, as eleições presidenciais de 2022 marcaram a disputa acirrada entre dois populistas inseridos em extremos opostos no espectro político. O povo, por sua vez, se deixou levar pelas falas supostamente revestidas de boas intenções e esqueceu-se que, ainda que elas tenham efeito prático, não são atos heroicos – pelo contrário, não passam de meras obrigações decorrentes do cargo presidencial.
As eleições não eram mais sobre política, mas sobre os políticos. E os políticos não são ídolos. Devem ser fiscalizados, e não glorificados. O Brasil caminha para um futuro democrático incerto. A retórica faz parte do jogo, mas um povo com senso crítico e devidamente ensinado sobre as singularidades da ciência política jamais irá idolatrar aqueles que trabalham para lhe servir.
*Letícia Barros é advogada e Vice-presidente do LOLA Brasil