A obra A lei de Frédéric Bastiat é um clássico da literatura política e econômica, escrito em meados do século XIX. Nela, Bastiat aborda de forma persuasiva os princípios naturais e fundamentais do ser humano (vida, liberdade e propriedade), oferecendo uma crítica mordaz ao intervencionismo estatal, à legislação excessiva e ao socialismo. Apesar de ter sido escrito há mais de 170 anos, as suas reflexões permanecem atuais, especialmente considerando o conteúdo de teoria política e de Direito nela contidos. Suas reflexões são válidas para o Brasil contemporâneo.
Bastiat e a Lei: o defensor pré-libertário do liberalismo econômico e sua obra atemporal
Frédéric Bastiat, economista francês do século XIX, destacou-se por defender o liberalismo econômico e a liberdade individual. Nascido em 1801, testemunhou as consequências desastrosas das políticas protecionistas e intervencionistas na França. Sua abordagem cativante e inteligente lhe rendeu uma reputação notável, influenciando significativamente muitos pensadores posteriores, inclusive na formulação de políticas públicas. Uma de suas principais influências foi John Locke.
A lei foi publicado em 1850, num período turbulento na França, marcado pela agitação política e mudanças sociais resultantes da Revolução Francesa de 1848, mais conhecida como Revolução de Fevereiro. De cunho socialista, ela pôs fim ao período monárquico e levou à criação da Segunda República Francesa (1848-1852). É importante notar que o livro foi escrito numa época em que a ideia de Estado Socialista estava fervilhando na França e na Europa. Isto posto, Bastiat observou a crescente intervenção do Estado nas atividades econômicas e sociais, e as consequências funestas disso para uma sociedade livre.
Vida, liberdade e prosperidade: os direitos naturais do homem precursores à lei
Bastiat começa seu livro com a afirmação de que a Lei foi pervertida. Desenvolve seu raciocínio destacando que a vida é um dom de Deus e, como resultado, os homens são livres para poderem produzir e virarem proprietários. A partir disso, define o homem com base em três direitos fundamentais: vida, liberdade e propriedade – e que são anteriores ao Estado e a lei. Ou seja, os homens produzem leis e criam o Estado para que protejam esses três direitos naturais, e não o contrário.
De acordo com ele, a lei é a justiça organizada, a lei é a organização coletiva do direito individual de legítima defesa. Expõe que um individuo não pode agredir a vida, a liberdade e a propriedade de outro indivíduo. E, dentro desse mesmo raciocínio, o Estado e a Lei não podem fazer o mesmo. A Lei não pode legitimamente agredir esses direitos naturais porque os indivíduos não podem fazer isso individualmente, e a lei só seria considerada justa se não intervisse neles. Bastiat diz que um governo só é justo se garantir a proteção dos indivíduos e não intervir nos negócios privados.
Com base nisso, uma análise interessante é comparar a Constituição brasileira e a Constituição americana. Embora existam semelhanças entre elas, há diferenças significativas quanto a como os direitos naturais do homem são abordados, especialmente, no que diz respeito à sua relação com a Lei e o Estado.
A Constituição dos Estados Unidos, promulgada em 1787, é conhecida por sua ênfase nos direitos individuais e liberdades fundamentais. Ela inclui a Declaração de Direitos, composta pelas dez primeiras emendas à Constituição, que garantem explicitamente direitos como liberdade de expressão, religião, imprensa e porte de armas. A filosofia subjacente à Constituição americana é a de que os direitos naturais do homem, incluindo vida, liberdade e propriedade privada, são inalienáveis e anteriores ao governo. Nessa perspectiva, o Estado existe para proteger e preservar esses direitos, e não para concedê-los, em linha com a visão de Bastiat em sua obra.
No contexto brasileiro, a Constituição Federal de 1988 também garante uma série de direitos fundamentais aos cidadãos. No entanto, a abordagem é um pouco diferente. A Constituição brasileira reconhece direitos individuais, como liberdade de expressão, igualdade, propriedade e direitos trabalhistas. Porém, não estabelece explicitamente uma hierarquia pela qual esses direitos naturais são considerados anteriores ao Estado. Em vez disso, ela estabelece um sistema em que os direitos individuais e as liberdades fundamentais são garantidos dentro do contexto legal e social estabelecido pela própria Constituição.
A lei como promotora da justiça social: a perversão da lei e a espoliação legalizada
Na época de Bastiat, o Estado francês era socialista em sua essência, interferindo diretamente na liberdade e propriedade privada dos indivíduos, assim como acontece hoje no Brasil. De acordo com ele, a Lei estava sendo pervertida com o suposto objetivo nobre de “promover a justiça social”. Se as leis já eram pervertidas na metade do século XIX na França, a situação atual é muito pior em países como o Brasil, onde o Estado existe e se mantém para constantemente interferir na liberdade e propriedade dos indivíduos.
Bastiat prossegue e afirma que a Lei é pervertida devida a duas causas: ambição estúpida e falsa filantropia. Além disso, define a propriedade como fruto do trabalho de uma pessoa, e a espoliação como a apropriação do fruto de trabalho de uma pessoa por outra. Assim como na França daquela época, agora no Brasil a lei se transformou num instrumento de espoliação, tomando a forma de tarifas, subsídios, incentivos, proteções, impostos etc.
Um paralelo interessante com as ideias de Bastiat sobre perversão da Lei com a desculpa de promoção da justiça social e espoliação legalizada é o programa “Minha Casa Minha Vida”, criado em março de 2009, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Esse programa pode ser considerado uma forma de espoliação legalizada, posto que utiliza recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para financiar a construção de habitações populares. Ou seja, espolia o patrimônio de toda a população de trabalhadores em prol de uma parcela da população que ganha até quatro salários-mínimos por mês.
A lei e os direitos naturais: sufrágio universal e a restrição da função da lei
De acordo com Bastiat, um dos grandes problemas é quando a espoliação se torna institucionalizada e a Lei, um instrumento dela. Nesse cenário, os espoliados são obrigados a revidar e utilizar a lei e a estrutura do Estado para se defender e espoliar os outros. Por isso que Bastiat não via com bons olhos o sufrágio universal, não simpatizando muito com a democracia e as eleições universais, tendências bem relevantes naquela época na França.
Uma de suas principais preocupações era o perigo de o governo se tornar uma ferramenta de distribuição de riqueza por meio da espoliação. Temia que o sufrágio universal e a democracia permitiriam que a maioria impusesse seus desejos sobre as minorias, levando a políticas que violariam os direitos de propriedade e prejudicariam a liberdade econômica. Além disso, argumentava que a democracia poderia se tornar uma espécie de “espada de Dâmocles” para a liberdade individual, no sentido de que os eleitores poderiam ser influenciados por demagogos e votar por políticas que prometiam benefícios imediatos, mas que seriam prejudiciais aos indivíduos e às liberdades no longo prazo.
Isto posto, Bastiat destaca que a solução não estava no sufrágio universal, na democracia e no voto universal em si, mas em restringir a função da Lei: esta deveria ser restrita a proteger e garantir a segurança dos direitos naturais do homem (vida, liberdade, propriedade privada). No entanto, se a função do Estado fosse só essa, provoca Bastiat, o que fariam os milhares de legisladores que existem na atual estrutura? Logicamente, seriam desnecessários e, portanto, defendem o oposto, ou seja, a maximização do Estado, a perversão da lei, e o controle direto das liberdades.
Como exemplo, o Congresso brasileiro é o segundo mais caro do mundo em termos absolutos, ficando apenas atrás do Parlamento dos Estados Unidos. Para sustentar os salários e benefícios de cada um destes parlamentares, os brasileiros desembolsam R$ 25 milhões por ano. Em termos relativos, tendo em vista a relação dos gastos com a renda média dos cidadãos, a situação é ainda pior: o Brasil é o líder em despesas. O gasto com cada um dos congressistas corresponde a 528 vezes a renda média dos brasileiros.
Reflexões da revolução francesa: fraternidade forçada e a destruição da liberdade
Bastiat, em sua análise, destaca que a imposição da Fraternidade pelo governo acaba por minar a liberdade individual, estabelecendo assim uma contraposição a um dos três valores fundamentais da Revolução Francesa (liberdade, fraternidade e igualdade).
Bastiat demonstra que, quando a Fraternidade é forçada pelo governo, ou seja, quando é imposta de forma compulsória, existe uma interferência na liberdade individual. Isso ocorre porque a imposição da Fraternidade envolve ações coletivas que podem restringir ou anular a liberdade de alguns indivíduos, uma vez que a coerção governamental pode impor obrigações e restrições que vão contra as vontades e preferências pessoais.
Por fim, Bastiat argumenta que a verdadeira Fraternidade deve ser voluntária, baseada na espontaneidade e no desejo genuíno de ajudar e cooperar com os outros. Nesse sentido, a Fraternidade voluntária é um sentimento de solidariedade e união que surge de forma natural entre os indivíduos, sem a necessidade de coerção externa. Permite que as pessoas exerçam sua liberdade de escolha ao decidir quando, como e com quem desejam compartilhar sua fraternidade.
Socialismo, Comunismo e Protecionismo: o Estado paternalista e as restrições de liberdade
Bastiat não se opunha apenas ao socialismo e ao comunismo, mas também ao protecionismo, pois este também restringe a propriedade privada e a liberdade, além de promover a espoliação. Em seu livro, Bastiat descreve bem a mentalidade dos socialistas da época, a qual se assemelha muito com a dos socialistas contemporâneos. De acordo com ele, os socialistas desejam desempenhar o papel de Deus e, por consequência, desprezam a humanidade ao se acharem superiores. Os socialistas acham que devem fazer a agenda política e distribuir os bens para a sociedade. Interessante citar que, com o triunfo do Iluminismo na Revolução Francesa, o
Estado assumiu o papel paternalista e de Deus em diversas sociedades ocidentais.
O Estado Brasileiro é um exemplo de Estado Paternalista Socialista, incluindo diversos programas sociais, como o Bolsa Família, que visa fornecer uma renda mínima para famílias em situação de pobreza. Apesar da política afirmar querer “justiça social” e ajudar os mais necessitados, tal programa tende a gerar dependência dos beneficiários em relação ao Estado. Como exemplo concreto de tal dependência, o número de contemplados pelo Bolsa Família supera o número de empregados com carteira assinada em 13 dos 26 estados brasileiros, de acordo com dados do CAGED e Ministério do Desenvolvimento Regional. No Maranhão, há dois beneficiários do Bolsa Família para cada trabalhador com carteira.
Bastiat e o clamor por liberdade: o brado que permanece muito atual para o nosso Brasil contemporâneo
Bastiat então analisa o pensamento de uma série de pensadores daquela época, os quais ajudaram a fundamentar a Revolução Socialista em 1848, como Montesquieu e Rousseau. Fica evidente que muitos dos ideais da Revolução Francesa (1789) não eram liberais como muitos dizem e ensinam em nossas escolas, mas sim socialistas, dado que favoreceram a criação do Estado controlador e opressor da liberdade individual. Bastiat critica diretamente tais pensadores da época, demonstrando que o pensamento destes na verdade viola a ideia de lei, de direito e de justiça.
Após apresentar todas as suas críticas àquele estado das coisas, de que a lei é a justiça organizada, de que a lei é a organização coletiva da legitima defesa individual, e de que a lei tinha sido pervertida pelo Estado pós-revolução Francesa, Bastiat deixa um clamor: “deixem-nos agora experimentar a liberdade!”. Esse brado permanece muito atual para o Brasil contemporâneo, especialmente considerando que dia após dia nossas liberdades e direitos naturais são ameaçados, incluindo invasões de propriedade privada pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a tentativa fracassada até então do governo em passar o Projeto de Lei 2.630/20 visando controle da mídia e internet.
De acordo com Bastiat, as nações prósperas seriam: i) aquelas nas quais a lei intervém menos na atividade privada; ii) nas quais a individualidade tem mais iniciativa e a opinião pública mais influência; iii) nas quais as engrenagens administrativas são menos numerosas e menos complicadas; iv) onde os impostos são menos pesados e menos desiguais; v) nas quais a responsabilidade dos indivíduos e das classes é mais efetiva; vi) nas quais as transações comerciais, os convênios e as associações sofrem o mínimo de restrições; vii) onde o trabalho, os capitais e a população sofrem menores perturbações. É de se notar, infelizmente, que o Brasil está longe de ser tornar uma nação próspera e temos um longo caminho a percorrer.
*Enrico Trotta atualmente é sócio da Vectis Ventures, vertical de Venture Capital da Vectis Partners. Possui mais de 12 anos de experiência na área de Equity Research, tendo ocupado o cargo de Head de Real Estate e Tecnologia no Itaú BBA. Formado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Enrico atualmente é Prospect do Instituto Formação de Líderes de São Paulo (IFL-SP).
Fontes:
https://revistaoeste.com/politica/eleicoes-2022/congresso-brasileiro-e-o-segundo-mais-caro-do-mundo/
13 Estados têm mais gente com Bolsa Família do que empregados