Por Guilherme S. Esparza*
Quando falamos em aborto, é comum que as pessoas contrárias à legalização apelem aos valores morais e religiosos. No entanto, quando nos referimos a um fato social, o aborto é algo que precisa ser visto e revisto de forma racional, merecendo a devida atenção como sendo um grave problema de saúde pública, que afeta a saúde de milhares de mulheres todos os anos. Este tema não pode ser ignorado por meio de tabus e condenações injustas, até porque a vida e a saúde reprodutiva das mulheres importam.
No Brasil, o aborto é restrito a apenas algumas situações: Risco de vida à mulher, estupro e má formação do feto. Segundo o Ministério da Saúde, através do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SUS), de Janeiro de 2016 a Outubro 2020 foram realizados 8.665 abortos autorizados pela justiça. No entanto, os procedimentos pós-abortos malsucedidos, incluindo os abortos espontâneos, foram de 877.863. Ou seja, para cada aborto autorizado pela justiça, o SUS realiza 100 para salvar as mulheres.
Quanto ao custo, o aborto, mesmo não sendo legalizado de forma plena no Brasil e sendo um procedimento que precisa de autorização da justiça, no período de Janeiro de 2016 a Outubro de 2020, ainda segundo os dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS, o custo dos abortos autorizados pela justiça foram de R$ 2 milhões contra R$ 189 milhões dos abortos malsucedidos e espontâneos. Logo, a sociedade, mesmo condenando o aborto, paga pelo procedimento.
Vale ressaltar que uma mulher que opta pelo aborto não o opta pelo prazer em abortar, mas por uma série de fatores que a fizeram tomar esta medida drástica e que afetará, para sempre, a sua saúde física, mental e reprodutiva, como por exemplo a incapacidade financeira, a falta de informação sobre métodos contraceptivos e a ausência do genitor masculino. No entanto, esta mulher, ao invés de receber o apoio da família e da sociedade, muitas vezes, é estigmatizada e apontada como sendo a culpada de uma gravidez não planejada, merecendo toda punição e criminalização social possível, não tendo o devido espaço para expressar as suas dificuldades.
Falar sobre a legalização do aborto não significa em forçar a obrigatoriedade do ato, mas tratar do assunto de forma séria, com assistência social, médica, psicológica e compreendendo a realidade social de cada mulher. É possível ser a favor da legalização do aborto e não concordar com o ato. Não podemos deixar que a emoção dinamite as possibilidades do debate por meio de perspectivas rasas, generalistas e religiosas diante da realidade.
E qual a responsabilidade do papel masculino? Uma nova vida é gerada a partir da união dos gametas masculino (espermatozoide) e feminino (óvulo). Portanto, seria injusto atribuir toda a responsabilidade da geração desta nova vida somente à mulher. Além disso, há homens que condenam o aborto, mas que o incentivam, mesmo que de forma clandestina, quando sabem de uma gravidez não planejada. Outros, quando engravidam a mulher, preferem não assumir a paternidade da criança ou acham que somente o pagamento de pensão é o suficiente para arcar com toda a responsabilidade paterna. Segundo os cartórios de Registro Civil do Brasil, somente nos sete primeiros meses de 2022, foram registradas 100.717 crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento, representando 6,5% dos nascimentos no país, número maior do que os 6% registrados em 2021, quando houveram 96.282 crianças sem o nome do pai na certidão de nascimento. Ou seja, a sociedade que condena a mulher é a mesma que não olha para a responsabilidade do homem.
Em uma perspectiva social, a mesma sociedade que se declara “pró-vida” é a mesma que se depara diariamente com crianças em situação de rua, abandono e de violência doméstica. Esta criança, ao ter as suas oportunidades de crescimento pessoal dinamitadas, futuramente, tem uma maior propensão a recorrer a meios ilegais, e até mesmo violentos, de compensar toda a injustiça social que passou em toda a sua vida. A resposta da sociedade, porém, não é a promoção de políticas públicas por meio da educação, emprego formal e assistência social, mas o punitivismo selvagem através de respostas como “bandido bom é bandido morto”, “lugar de menor infrator é na cadeia” ou “vagabundo tem que se ferrar”.
Por fim, reforço que está na hora da sociedade brasileira começar a amadurecer no debate sobre o aborto. Não é pela histeria que iremos resolver um sério problema de saúde pública e que assola a vida e a saúde reprodutiva das mulheres, mas que, ao mesmo tempo, isenta milhares de homens de suas responsabilidades paternas.
*Guilherme S. Esparza é estudante de Geografia pela Unesp – Rio Claro, membro da UJL, administrador da página Raposa Colorida e apoiador da causa LGBTQIA+
Esse artigo faz parte de uma coluna de opinião e, não necessariamente, representa as ideias do Boletim da Liberdade ou de seus editores.