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Panorama Jurídico – Nº 009 – 29/09/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta
Panorama Jurídico

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Por Kátia Magalhães*

Em tragédia anunciada, STF derruba Marco temporal

Por ampla maioria de votos, o Supremo escancarou a porteira da insegurança jurídica e do acirramento dos conflitos possessórios. Ao deliberar contrariamente ao Marco, tese segundo a qual povos indígenas teriam o direito de ocupar apenas as terras por eles possuídas ou disputadas em 5 de outubro de 88, a corte feriu de morte os fundamentos da posse (fato), e até mesmo o direito de propriedade.
No mesmo dia da “batida do martelo” pelos togados, o Senado aprovou a regulamentação do Marco. Exerceu seu dever/direito de legislar, e, ao fazê-lo, zelou pela segurança do domínio sobre a terra, enviando ao Judiciário um recado claro de repúdio à “legislatura de toga”. Esperamos que o Legislativo retome suas atribuições constitucionais, e comece a colocar freio nos arroubos do poder não-eleito.

TSE x Forças Armadas: abalo na relação?

Mediante iniciativa do ministro Alexandre de Moraes, o TSE decidiu, por unanimidade, excluir as Forças Armadas do rol de entidades fiscalizadoras do sistema eleitoral. Na mesma deliberação, também o STF foi retirado da lista.

Quanto à remoção do tribunal, não houve alteração substancial, pois boa parte da corte eleitoral já é composta por membros do Supremo. Já no tocante às Forças, cuja atuação “não se mostrou necessária, razoável e eficiente”, nas palavras de Moraes, a deliberação pode ser enxergada como mais uma das “inovações” alexandrinas. Ora, se a Constituição atribui ao órgão as funções de defender a pátria e garantir os poderes constitucionais, como podem os togados julgar “desnecessária” a fiscalização, pelas Forças, de processo eleitoral destinado exatamente à escolha dos representantes dos poderes da república?

Foram mantidas, na lista, as seguintes entidades: os partidos políticos, a OAB, o MP, o Congresso, a CGU, a PF, a Sociedade Brasileira de Computação, o CREA, o CNJ, o CNMP, o TCU, a CNI, as entidades ligadas à gestão pública e credenciadas no TSE, e os departamentos de TI de universidades sujeitas ao mesmo credenciamento. Muito curioso é que conselhos de classe de profissionais liberais possam averiguar a regularidade das urnas, e nossa instituição de defesa interna seja privada dessa atividade. Mais curioso ainda é lembrar que, em pleno ano eleitoral de 22, as Forças haviam identificado vulnerabilidades nas urnas, e requisitado esclarecimentos jamais prestados pelo TSE. Somos mesmo o país das coincidências.

TSE 2: Bolsonaro segue inelegível

O tribunal já formou maioria para rejeitar recurso do ex-presidente, e mantê-lo afastado das eleições de 24, 26 e 28. Por ter criticado o funcionamento das urnas eletrônicas, em reunião com embaixadores fora do período eleitoral, Bolsonaro permanecerá inelegível pelas próximas três disputas.

No entanto, outros políticos vêm tecendo comentários duríssimos contra a justiça eleitoral, sem receio de sanções expressivas. Foi o caso, por exemplo, da deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), que, inconformada diante de multa imposta pelo TSE à sua sigla, chegou a questionar a própria existência da corte. Em resposta, Moraes se restringiu à publicação de uma tímida notinha. Sem abertura de inquérito, censura ou prisão por “ato antidemocrático”.

Por aqui, até o direito de crítica é seletivo. E a liberdade de expressão, joia rara concedida a uns poucos privilegiados. Sorte a deles.

Moraes, novo “conselheiro” da PRF

Pouco após o trágico acidente que vitimou a menina Heloisa, no RJ, o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, Antônio Fernando Souza, solicitou uma reunião com o ministro Alexandre de Moraes para discussão de uma reformulação no modo de uso de armas letais pela corporação. Requerimento inusitado, passível de revelar até que ponto a atual cúpula da PRF parece enxergar o togado quase como seu superior hierárquico (no lugar do ministro Dino, titular da pasta da justiça), e como formulador de políticas públicas.

Diante da prisão, determinada por Moraes, do ex-diretor do órgão, Silvinei Vasques, em virtude de blitze realizadas em dia de eleição, talvez Souza julgue mais prudente consultar o magistrado, antes de incorrer em condutas eventualmente tidas como “atentatórias à democracia”. Possível efeito “pedagógico” da detenção de Vasques?

Para o TST, existe vínculo empregatício entre a Rappi e entregador

Após a condenação bilionária imposta à Uber, noticiada aqui, chegou a vez da Rappi de conhecer os rigores togados. Em decisão da 6ª Turma do TST, a relatora, ministra Katia Arruda, identificou elementos característicos da relação empregatícia, ou seja, “prestação do serviço pelo trabalhador, e habitualidade, com subordinação e onerosidade.” Embora o julgado afete apenas um entregador específico (autor da ação), seu teor pode servir como precedente para várias outras decisões, com impactos desfavoráveis à sobrevivência da empresa.

No mundo ideologizado das togas, o importante é seguir decidindo sob a ultrapassada ótica da luta de classes, sem levar em consideração a necessidade de geração de emprego e renda, e de viabilização dos negócios. Perdem os trabalhadores, a economia e a sociedade como um todo.

Uber condenada a pagar indenização bilionária

Relações empregatícias “não podem ultrapassar o limite do razoável”, e a liberdade de empreender “encontra limites (…) na função social da empresa”. Com base nessas premissas, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a empresa a arcar com R$ 1 bilhão por danos morais coletivos, e a registrar os motoristas atuantes pela plataforma. O juízo acolheu pedidos de uma ação do Ministério Público do Trabalho que pleiteava o reconhecimento de vínculo laboral entre a Uber e os condutores, assim como a condenação da empresa em suposto dano moral coletivo.

No entanto, longe da bolha togada, o que se observa é a atuação da empresa como uma das maiores geradoras de oportunidades nos últimos anos, permitindo a percepção de renda por profissionais que, de outro modo, sequer teriam como alimentar suas famílias. Para além da imbecilidade do universo da tutela estatal, outro fato inequívoco é o desejo, manifestado por 80% dos motoristas de aplicativo, de não atuarem mediante contratos de trabalho (carteira assinada).

Quem efetivamente gera danos arquibilionários à coletividade é a nomenclatura de toga, que, além de muito dispendiosa, não hesita em criar entraves à atividade empresarial, afugentando do país empresas do porte da Uber. Afinal, diante de um precedente de condenação descabida e desproporcional como essa, quem sonhará em manter seus negócios por aqui?

Por decisão de Gilmar, PF devolverá bens apreendidos de aliados de Lira

Em decorrência de deliberação do ministro Gilmar Mendes, que arquivou inquérito contra aliados do deputado Artur Lira (PP-AL) por supostos desvios na compra de kits de robótica nas Alagoas, a polícia terá de devolver bens e documentos apreendidos durante operação em endereços dos investigados. Segundo nota emitida pelo STF, a decisão de Gilmar foi tomada como forma de assegurar “a necessária observância das regras sobre prerrogativa de foro”, pois as investigações também mirariam supostas irregularidades por parte do parlamentar.

Assim foi encerrada, por Gilmar, mais uma operação que atingia Lira, conhecido parceiro do togado em convescotes, tanto no Brasil quanto no exterior. No país onde as regras sobre suspeição se tornaram peças de ficção – exceto quando manipuladas em detrimento dos protagonistas da Operação Lava-Jato -, magistrados se sentem à vontade para julgarem seus comensais habituais.

CNJ: nada de regulamentar a participação de juízes em eventos

E, por falar em festejos, o CNJ rejeitou proposta do conselheiro Luiz Philipe Vieira de Mello, que caracterizava a participação de magistrados em eventos como conflito de interesse, e causa impeditiva de atuação dos togados em processos envolvendo a empresa patrocinadora. Por maioria, a resolução foi rechaçada, pois, na visão do ministro corregedor Luís Felipe Salomão, o CNJ não poderia “criar hipóteses de suspeição que não estão na lei.

Argumento falacioso o do togado, pois a resolução não ensejaria qualquer outra hipótese além das já previstas na lei processual, que ela apenas especificaria/exemplificaria. A depender da cúpula judiciária, seguirão, aos olhos de todos, os requintados comes e bebes entre magistrados e seus jurisdicionados. Sem laivo de pudor.

Moro, o alvo favorito do CNJ

Enquanto isso, o mesmo ministro Salomão determinou a abertura de processo disciplinar para investigação das condutas do ex-juiz e atual senador Sérgio Moro e da juíza Gabriela Hardt, pela destinação de fundos à Petrobrás “sem critérios objetivos”. Segundo Salomão, “violaram reiteradamente os deveres de transparência, de prudência, de imparcialidade e de diligência do cargo ao promoveram o repasse de R$ 2.132.709.160,96” à estatal.”

Nosso sistema judiciário é talvez o único no mundo a investigar – e possivelmente punir! – magistrados pelo cumprimento de seu dever funcional, e pela louvável restituição, à empresa espoliada, dos fundos dela subtraídos. Em respeito à sua inteligência, dispenso maiores comentários.

STJ absolve mais um condenado por tráfico

Em decisão monocrática, o ministro Rogério Schietti absolveu réu condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais a sete anos, onze meses e oito dias de prisão por narcotráfico. No caso específico, a deliberação do togado desconsiderou até mesmo as evidências de que a companheira do condenado, em visita ao presídio, teria sido flagrada em tentativa de adentrar a penitenciária com entorpecentes, conforme depoimento de agentes prisionais.

Segundo Schietti, as provas que fundamentaram a condenação teriam decorrido de “elementos bastante frágeis”. Quanto à conduta da companheira, o togado afirmou que as justificativas trazidas pelo tribunal mineiro “são inidôneas a comprovar a ciência inequívoca do réu” a respeito.

Será tão difícil assim avaliar as possíveis causas dos nossos índices pífios na área de segurança pública?

Mais STJ: seguradora condenada, apesar de agravamento do risco segurado

Nos seguros de vida e acidentes pessoais, a seguradora é obrigada a indenizar sempre que demonstrados o acidente, o óbito do segurado, e a relação de causalidade entre ambos os eventos, independentemente de eventual agravamento do risco. A partir dessa premissa, a 3ª turma do tribunal condenou seguradora a indenizar os pais de um condutor de moto trafegando em alta velocidade e na contramão, que provocou colisão frontal com outro veículo.

Embora a própria relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, tenha aludido ao trecho do Código Civil que impõe a perda da garantia (do seguro) ao segurado responsável por agravar o risco da ocorrência, ainda assim, na opinião da magistrada, “é da essência do seguro de vida um permanente e contínuo agravamento do risco segurado“. Sim, viver é muito perigoso, e, se essa decisão inspirar outras no mesmo sentido, os segurados terão de enfrentar o risco, quase certo, de elevação nos preços desse ramo de seguros. Pura lógica de mercado, que não parece fazer diferença para os togados.

Supremo torna lavra ilegal de areia crime imprescritível

Crimes ambientais não podem prescrever, ou seja, não podem estar sujeitos a prazos para sua apreciação em juízo. Com base nesse entendimento, o STF, por unanimidade, impôs aos autores de lavra ilegal de areia nas margens do rio Itajaí-Açu (SC) a obrigação de ressarcir a União por danos morais coletivos. A justiça catarinense havia negado o ressarcimento, pois o crime, praticado há mais de cinco anos, já estaria prescrito.

Prescrição é noção indispensável ao convívio social civilizado, permitindo que devedores não passem suas vidas atrelados à possibilidade de cobrança das dívidas. Na área criminal, impõe ao Estado a observância a prazos para investigações e punições a delitos. E somente a lei pode estipular os prazos de prescrição, assim como apenas a Constituição estabelece as duas hipóteses excepcionalíssimas de crimes que não prescrevem (racismo e ações armadas contra o Estado Democrático).

Porém, nossos juízes supremos, ao definirem um novo “crime imprescritível”, continuam certos de que suas determinações podem se sobrepor à lei maior do país.

Juíza reintegra estudante masturbador à sala de aula

Após a repercussão de imagens de estudantes de medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa em “espetáculo de masturbação conjunta” durante evento esportivo, os envolvidos haviam sido expulsos da instituição. Contudo, por decisão liminar da juíza federal da 6ª Vara Cível de São Paulo, a expulsão foi suspensa em relação ao aluno autor da ação, pois, no entender da togada, a universidade teria agido “sem que antes fosse instaurado procedimento administrativo regular para apuração dos fatos.” Como se os fatos em questão não tivessem se tornado notórios, dispensando, assim, quaisquer outras provas além das filmagens já viralizadas nas redes…

Além da intromissão indevida no teor de deliberação da direção da universidade, o julgado ainda reflete a banalização diante de descompostura inaceitável, dentro ou fora do ambiente acadêmico. O que esperar de um futuro médico que, durante o período universitário, tenha incorrido em comportamentos como este? O que esperar de toda uma sociedade moldada sob os parâmetros permissivos do “progressismo”, mediante chancela de parcela expressiva dos togados?

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