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A verdade sobre a PEC 8/2021: medida de aperfeiçoamento do sistema de justiça

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Mariano*

Antes tarde do que nunca. Talvez, seja esse o sentimento de todo o brasileiro ao ver que finalmente o Presidente do Senado Federal, Senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), passou a ter coragem de iniciar uma mudança de aperfeiçoamento na forma de julgar do Supremo Tribunal Federal em relação a matérias submetidas ao seu crivo através de ações de controle concentrado de constitucionalidade (ações diretas de inconstitucionalidade – ADIs, ações declaratórias de constitucionalidade – ADCs, ações diretas de inconstitucionalidade por omissão – AIO/ADO e arguições de descumprimento de preceito fundamental – ADPF).

Esse, porém, não é o objetivo da proposta de emenda à Constituição (PEC) 8/2021. Por isso, reduzi-la a apenas como uma forma de “afronta ou reação ao STF” ou como “medida contrária à sistemática de julgamento do STF” é uma tentativa de desnaturar seu principal objetivo: aperfeiçoar o sistema de justiça brasileiro.

A proposta deste artigo é, portanto, trazer da forma mais simples possível os três pontos principais de modificação, sem perder de vista a colocação de algumas considerações que considero importantes para reflexão.

O primeiro é a regulamentação constitucional de pedidos de vista em julgamentos realizados em Tribunais no geral. A PEC 8/2021 muda a lógica do pedido de vista. Quer-se dizer: a vista não será mais feita de forma individual pelos membros de Tribunais, o que favorecia sucessivos pedidos de vista, sequenciais ou não, adiando bastante o fim do julgamento.

O pedido de vista, pela proposta de modificação, passará a ser coletivo. Ou seja, todos os membros do Tribunal terão o dever de analisar o processo antes de seu retorno para julgamento. Com isso, não será mais possível, num mesmo caso, a concessão de pedidos sucessivos de vista.

O pedido de vista coletiva terá um prazo máximo de seis meses, não sendo, como regra, passível de prorrogação, exceto se, após a vista, sobrevier voto divergente dos anteriormente proferidos, ocasião em que será possível nova concessão de vista por até mais três meses.

Trata-se de uma mudança merecedora de aplausos, uma vez que demonstra a vontade dos atores políticos – e, em última instância, da sociedade brasileira – de tornar os julgamentos do Poder Judiciário mais céleres, atendendo à garantia fundamental da duração razoável do processo (art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB/1988) e retirando a ideia de que pedidos de vista são instrumentos para beneficiar determinado setor/ator específico em detrimento da sociedade em ver finalizado o julgamento de determinada questão relevante ao país.

A consequência dessa não observância do prazo levará a algo similar do que acontece hoje no Poder Legislativo, quando não se aprecia, no prazo constitucional, medidas provisórias (art. 62, § 6º, da CRFB/1988), projetos de lei em regime de urgência presidencial (art. 64, § 2º, da CRFB/1988) e os vetos presidenciais apostos em projetos de lei aprovados pelo Congresso nacional (art. 66, § 6º, da CRFB/1988). Isto é, o “trancamento da pauta”, haja vista o impedimento de apreciação de outras proposições/deliberações legislativas.

A ideia da PEC 8/2021 é trancar a pauta de julgamento de outros casos da mesma natureza se ultrapassado o prazo máximo de seis ou nove meses de pedido de vista coletiva, a depender do caso. A PEC 8/2021, no entanto, vai além e deixa claro que, se passado mais de um ano após o término do prazo de pedido de vista coletiva, todos os julgamentos, independentemente da natureza dos casos, serão sobrestados até a finalização daquele que deu ensejo ao pedido de vista.

Repare, então, caro leitor e cara leitora, que há clara intenção em trancar a pauta de julgamento, não tolerando mais a ideia de que o processo judicial fique sem ter dia em voltar a ser incluído em pauta de julgamento para o desfecho do julgamento pelo Tribunal. Esse caminho, sem dúvida, é digno de aplausos.

Sobre isso, aliás, é bom estabelecer que não há nada de inconstitucional nisso. Não está o Congresso Nacional, na condição de reformador da Constituição, a violar qualquer princípio fundamental, como o da separação de poderes. Em realidade, a proposta do Congresso é evitar que ocorra uma eternização de processos judiciais de qualquer natureza, e não só aqueles de ações de controle concentrado de constitucionalidade.

Isso porque a PEC 8/2021 altera o artigo 93 da Constituição, que é aplicável a todo e qualquer Tribunal, inclusive Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, do Trabalho e Eleitorais. A proposta do Congresso é fazer com que pedidos de vista sejam tratados normativa e sistematicamente de maneira mais harmônica e eficiente na obtenção de pronunciamento final do Poder Judiciário, buscando um aperfeiçoamento do sistema de justiça, uma vez que, como bem pontuou o saudoso Ruy Barbosa, “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

O segundo é a proibição constitucional de concessão de decisões monocráticas em Tribunais relacionadas a pronunciamentos de inconstitucionalidade ou de suspensão liminar de eficácia de leis, de atos normativos ou de atos de Chefes de Poderes. A PEC 8/2021 deixa claro que, nessas hipóteses, é necessário o pronunciamento da maioria absoluta dos membros do Tribunal. Quer-se dizer: é necessária a metade mais um dos membros para uma norma ser declarada inconstitucional ou ter seus efeitos suspensos.

Caro leitor e cara leitora, essa previsão constitucional, como todo respeito, já é expressamente regulamentada pelos arts. 10 e 22 da Lei nº 9.868, de 1988, segundo os quais somente é possível a concessão de medida cautelar de suspensão de efeitos de lei ou de ato normativo ou de decisão de mérito de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, caso seja feito pela maioria absoluta de membros do Supremo Tribunal Federal.

Trata-se de regra expressa no ordenamento jurídico que, infelizmente, porém, não é respeitada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. O desrespeito não possui qualquer justificativa razoável, sob o ponto de vista constitucional e lógico, uma vez que os arts. 10 e 22 da Lei nº 9.868, de 1988, possuem fundamento direto no art. 97 da CRFB/1988, que é objeto de alteração pela PEC 8/2021.

Trata-se do que se chama em direito de respeito à cláusula de reserva de plenário no pronunciamento de inconstitucionalidade.
Infelizmente, juristas e membros do Supremo Tribunal se esqueceram ou desejaram esquecer essa previsão legal para atender os seus próprios interesses em emponderar a força de suas canetas individuais, quando, na realidade, quem sempre teve força, pelo ordenamento, foi a maioria dos membros – e, por consequência, o colegiado do Tribunal, e nunca um único membro/Ministro.

A constitucionalização dessa previsão, com alguns acréscimos pontuais normativos para aperfeiçoamento do sistema de justiça, parece que é a última tentativa do Congresso Nacional em deixar claro a sua vontade de limitar os poderes individuais de juízes/desembargadores/Ministros, sem interferir no exercício da função jurisdicional que lhes é concedida pela Constituição.

Em outras palavras, antes que se diga que a proposta de mudança é inconstitucional, é bom relembrar que existe previsão similar desde o ano de 1998 (arts. 10 e 22 da Lei nº 9.868) que, em nenhum momento, foi criticada por juristas, inclusive Ministro do Supremo Tribunal Federal. Na realidade, trata-se de proposta que busca aperfeiçoar, ainda mais, a cláusula de reserva de plenário no direito brasileiro, a fim de que o Poder Judiciário respeite, ainda mais, as decisões tomadas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, após ampla e complexa discussão, votação e sanção de matérias legais em sede de processo legislativo.

Parece que existe um posicionamento unânime entre juristas de que vivemos no Brasil um super fortalecimento dos poderes do Poder Judiciário, uma vez que um membro/Ministro de Tribunal pode simplesmente com a sua caneta derrubar a vontade da maioria dos quinhentos e oitenta e quatro parlamentares eleitos para o Congresso Nacional, sobretudo em temáticas que revelam claramente um desacordo moral razoável na sociedade.

Essa intenção, por si só, demonstra a constitucionalidade da lei, retornando o pêndulo de harmonia e de equilíbrio entre os Poderes, uma vez que a vontade dos atores políticos continuará sendo passível de análise e de derrubada pelo Poder Judiciário, desde que o sejam feitas por maioria absoluta de seus membros, evitando-se, com isso, a politização da justiça e a arbitrariedade judicial que são incentivadas por poder da caneta de um único Ministro/membro do Tribunal.

A última questão sobre esse ponto é que o Congresso Nacional foi complacente com a possibilidade de concessão de decisão de liminar para suspender a eficácia de lei pelo Presidente do Tribunal, quando estiver diante de um caso de grave urgência ou perigo de dano irreparável. Essa decisão deverá ser apreciada em até trinta dias do reinício dos trabalhos judiciários, sob pena de perda de eficácia.

Ainda que essa exceção possibilite o uso artificioso por advogados de siglas partidárias ou de outros legitimados para a propositura de ações de controle concentrado de constitucionalidade, trata-se de uma opção razoável dentro da realidade brasileira, já que o Poder Legislativo, por vezes, adota medidas legislativas no final do ano legislativo, razão pela qual pode haver algum caso em que seja necessária a adoção dessa medida mais célere.

O terceiro ponto é o aperfeiçoamento da sistemática de julgamento em ações controle concentrado de constitucionalidade no STF e nos Tribunais de Justiça dos Estados. Duas vertentes principais são aqui estabelecidas: (i) fixação de prazo máximo para julgamento de mérito em ações de controle concentrado de constitucionalidade em que tiveram liminar deferida e (ii) imposição de pronunciamento do colegiado para além de inconstitucionalidade, a fim de abranger julgamentos em processos de modificação de políticas públicas e de criação de despesas públicas.

Quanto à primeira vertente, a PEC 8/2021 coloca que, caso seja deferido pedido cautelar em ações de controle concentrado de constitucionalidade, o mérito da ação deve ser apreciado em até seis meses, com o estabelecimento de consequência de trancamento da pauta para julgamento preferencial de todas as ações nessa condição. Não observado isso, prevê-se a perda da eficácia da decisão cautelar.

Trata-se de medida que, na mesma linha das mudanças propostas quanto ao pedido de vista coletiva, busca evitar a eternização de ações de controle concentrado de constitucionalidade em que o STF ou o Tribunal de Justiça se pronunciou de maneira precária em sede de liminar, esquivando-se de apreciar definitivamente o mérito.

Caso seja feita a análise de acervo do STF, será constatada a existência de diversas ações de controle concentrado de constitucionalidade com liminar deferida que estão há anos sem ter o seu mérito apreciado. Por óbvio, algumas se encontram nessa situação por vontade dos próprios atores políticos, tendo em vista o impacto em organização administrativa ou nas contas públicas.

Algumas não decisões ou eternizações de processos judiciais de controle de constitucionalidade são adotadas como caminhos para evitar situações constrangedoras e de difícil resolução. Uma não decisão ou uma demora para tomada de decisão também é uma decisão influenciada por fatores políticos e extrajurídicos. Isso é uma conclusão própria de estudos de políticas públicas.

O objetivo do Congresso Nacional é, então, não evitar a eternização de processos judiciais de controle de constitucionalidade, mas sim colocar maior responsabilidade aos Ministros do STF e Desembargadores de Tribunais de Justiça quando da análise de medidas cautelares, a fim de que somente sejam concedidas em casos maduros para julgamento.

É uma forma de desincentivo de pronunciamentos não definitivos para que sejam preferíveis julgamentos definitivos sobre o mérito, a fim de que seja dada segurança jurídica à sociedade, mesmo que o pronunciamento não atenda os anseios sociais ou dos setores políticos. Inevitavelmente, coloca-se os Ministros do STF e os Desembargadores dos Tribunais de Justiça numa posição de maior cautela e parcimônia na análise de pedidos liminares, devendo apenas se pronunciar em casos em que evidentemente os Poderes Legislativo e Executivo violaram a Constituição.

Visualizar isso, quanto à primeira vertente do terceiro ponto da PEC 8/2021, é essencial para evitar de acoimá-la de inconstitucional, já que, em última instância, o Congresso Nacional deseja consolidar mais a segurança jurídica e tornar mais harmônica e equilibrada a relação de poderes.

No que tange à segunda vertente, a PEC 8/2021 deixa claro que o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça são chamados a intervir em políticas públicas, inclusive criando-se despesas diretas e indiretas, o que implica no impacto da saúde fiscal e financeira do país ou dos Estados-membro.

Como uma forma de evitar o descompromisso desses Tribunais com a responsabilidade fiscal ou com o próprio desenho da política pública, o Congresso Nacional retirou qualquer possibilidade de adoção de decisões monocráticas, devendo haver pronunciamento da maioria absoluta da Corte.

Trata-se de uma forma de respeitar a separação de poderes, relembrando aos membros do STF e dos Tribunais de Justiça que eles isoladamente não possuem força suficiente para alterar as decisões tomadas pela política. Somente possuem isso, caso seja adotada institucionalmente pela Corte, através da maioria absoluta de seus membros.

Além disso, a mudança proposta pela PEC 8/2021 exige dos Tribunais, na análise de processos judiciais de controle concentrado de constitucionalidade, a necessidade de observar o impacto fiscal decorrente do exercício de sua função jurisdicional.

Pois, de nada adianta os Poderes Legislativo e Executivo adotaram medidas de contenção de gastos públicos para a manutenção da saúde financeira do país ou do Estado-membro, se o Tribunal não precisa ter o mínimo de responsabilidade, já que é possível a um único membro da Corte imputar gastos públicos astronômicos ao Estado, como, por exemplo, ocorre em demandas em que se discute a concessão de medicamentos de altíssimo custo.

Esses são os três principais pontos da PEC 8/2021. Todos merecedores de aplausos. Porém, uma advertência deve ser feita: a PEC 8/2021 não visa reduzir a judicialização da política ou reduzir os arroubos autoritários de Ministros do STF. Imputar essa responsabilidade à PEC 8/2021 é querer criar um discurso contrário e de descrédito ao seu objetivo mais louvável: aperfeiçoar o sistema de justiça brasileiro, exigindo uma posição mais institucional do Poder Judiciário em questões relevantes.

*Mariano é Procurador Federal (AGU/PGF) e Mestre em Direito (UERJ e UNIRIO)

Aviso

As opiniões contidas nos artigos nem sempre representam as posições editoriais do Boletim da Liberdade, tampouco de seus editores.

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