fbpx

Panorama Jurídico – Nº 016 – 17/11/2023

Os principais fatos jurídicos da semana, o que está acontecendo de mais importante nas cortes brasileiras, com a opinião de juristas renomados, em uma linguagem simples e direta

Compartilhe

Por Kátia Magalhães*

Fachin rejeita denúncia contra Gleisi

Relator do caso instaurado pela PGR contra Gleisi Hoffmann, em 2018, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o togado rechaçou acusação contra a parlamentar e atual presidente do PT, sob o fundamento de suposta “insuficiência dos elementos indiciários colacionados pelo órgão acusatório para conferir justa causa à denúncia.” E ainda declarou prescritos os crimes imputados ao ex-ministro e ex-marido de Gleisi, Paulo Bernardo.

A título de lembrete, o assunto envolve o “propinoduto” da Odebrecht em benefício de políticos do PT, para favorecimento da empresa por meio de linhas de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em pleno mandato de Gleisi como senadora. Conforme relatos de sete colaboradores premiados e diversas outras provas documentais colhidas pela polícia federal, a petista teria recebido R$ 3 milhões em propinas da empreiteira para suas despesas de campanha ao governo do Paraná, nas eleições de 2014. Não à toa, de acordo com o conjunto probatório, Gleisi teria conquistado a alcunha “amante” na famosa planilha da Odebrecht, e, segundo o “sincericídio” do senador Renan Calheiros, teria até precisado da “ajuda” de Renan junto ao Supremo, para a “solução das pendências” contra Paulo Bernardo. 

Contudo, no país onde o próprio sistema “revogou” as normas sobre suspeição e impedimento, assim como todos os crimes de corrupção, provas lícitas só servem para abarrotar as lixeiras das cortes. A finalidade dos usuários de supremas togas é promover um “revisionismo” do nosso histórico judiciário recente, conferindo uma aura de respeitabilidade a figuras comprovadamente envolvidas em malfeitos. E só.

Barroso, o “benfeitor” de indígenas

Em ação movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e por seis partidos de esquerda, o novo presidente do Supremo determinou, na canetada monocrática, que o governo federal apresentasse um novo plano para “assegurar a posse da terra para as comunidades indígenas.” Em termos específicos, ordenou ao executivo a inclusão, no tal plano, dos objetivos para cada terra, dos recursos disponíveis, do cronograma de atividades, dos impactos previstos, dos órgãos responsáveis pela coleta de dados, e das oportunidades e ameaças para as medidas previstas.

Como tem sido de seu feitio ao longo da vida na corte, Barroso não cansa de avocar para si as atribuições de representantes eleitos, substituindo-se ao executivo na formulação de políticas públicas (fundiárias), e ditando as práticas gerenciais que, no seu entender, seriam mais benéficas aos “desvalidos”. Tudo isso sem voto, sem mandato popular, e sem sequer levar em consideração o consenso do Congresso.    

Retratos em série da disfuncionalidade de uma república que pisoteia a separação e a autonomia entre os poderes.

O Supremo e seus poderes para anular decisões finais de Juizados

Em caso concreto envolvendo o INSS e uma segurada do Paraná, os magistrados deliberaram, por maioria, que decisão definitiva de Juizados Especiais pode vir a ser revogada, se tiver sido baseada em interpretação que, no futuro, venha a ser declarada inconstitucional pelo STF. Simplificando: se uma sentença de Juizado (tribunal competente para causas de menor valor) tiver sido proferida à luz de um certo entendimento, se a decisão tiver se tornada definitiva (inalterável), e se, anos depois, o Supremo vier a adotar outra postura sobre a mesma matéria, o julgado poderá ser revisto.

Na esfera cível em geral, decisões finais podem ser revogadas (via ação rescisória) em casos excepcionalíssimos, como, por exemplo, os de prevaricação do juiz, falsidade das provas ou violação à lei. Contudo, a mudança de interpretação sobre um tema não serve de fundamento à modificação de sentença definitiva. Muito menos em Juizados, onde os procedimentos simplificados são incompatíveis com a propositura de ação como a rescisória, que exige tempo de advogados debruçados sobre um caso e análise aprofundada das evidências.

Ainda assim, os supremos togados acompanharam a posição do relator ministro Gilmar Mendes, segundo o qual “o princípio constitucional da coisa julgada deve ser atenuado quando a decisão, mesmo sendo definitiva, conflitar com aplicação ou interpretação constitucional definida pela Suprema Corte.” Eis aí o mais recente atentado togado à segurança jurídica, que reside exatamente na certeza de ter em mão uma decisão imodificável em certo sentido, que permita às partes adotarem este ou aquele comportamento, exigirem ou não da outra esta ou aquela providência.

Esqueça o seu sono tranquilo baseado em uma sentença definitiva. Entre nós, tudo pode mudar, e decisões finais caminham para se tornar meros enfeites de parede.

Corte assegura indenização por suicídio de detento

Conforme decisão da 2ª Turma do tribunal, o Estado do Paraná deverá indenizar, em R$ 90 mil, a mãe e a avó de detento que atentou contra a própria vida em delegacia de União da Vitória (PR). Segundo os togados, a responsabilidade civil do Estado teria sido desencadeada por suposta falha dos servidores em sua obrigação de cuidado para com o encarcerado.

No entanto, em unidades de detenção, o dever estatal de guarda e vigilância costuma se restringir à proteção do indivíduo contra os ataques de colega(s) ou de agentes penitenciários. Longe do que ocorre em outras instituições, como, por exemplo, hospitais e manicômios (onde é possível/provável que a condição patológica do interno o torne mais propenso ao suicídio), em delegacias ou penitenciárias não parece haver uma previsibilidade apriorística dessa inclinação. Se houvesse, locais de confinamento forçado e até de prática de crueldade em massa, como campos de concentração ou gulags, teriam se tornado cemitérios de suicidas, e não berço de lutas incansáveis pela sobrevivência.

Mais um supremo julgado de cunho demagógico, que poderá servir de precedente para a geração de passivos financeiros pesados para os Estados e a União.  

STF: Justiça Militar pode julgar civis em tempos de paz

Por maioria, o tribunal seguiu o posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual “crimes militares, embora praticados por civis, devem ser julgados pela Justiça Militar, quando assim definidos pela lei e por afetarem a dignidade da instituição das Forças Armadas.” O caso concreto dizia respeito ao oferecimento de propina, por um civil, a oficial do Exército.

No entanto, segundo a lei aplicável (Código Penal Militar), crimes militares praticados por civis são apenas aqueles: contra patrimônio sob gestão militar; contra militar, em unidade militar; contra militar em formatura ou contra militar em serviço de garantia da ordem pública, administrativa ou judiciária. Ora, nesse rol estreito de hipóteses, onde estaria inserida a conduta de civil que oferta vantagem indevida a funcionário público (militar), descrita, em nosso Código Penal, como corrupção ativa, ou seja, crime contra a administração em geral?

Para variar, estamos diante de uma “inovação alexandrina”, que, sem fundamento plausível, retira um civil da jurisdição dos tribunais comuns para submetê-lo a uma corte militar. As leis do consenso republicano tornam a ceder à única que importa: a do desejo dos magistrados!

TSE se recusa a esclarecer norma que ampliou seus próprios poderes

Bem a propósito, um ano após o encerramento da corrida de 22, a corte rechaçou pedido de esclarecimentos da Folha de São Paulo sobre norma editada pelo tribunal para ampliar seus próprios poderes. Diante de indagação genérica formulada pelo jornal, os togados se recusaram a falar sobre a Resolução 23.714/22, que havia concedido à corte capitaneada por Moraes todos os poderes de polícia para, de ofício, censurar perfis em redes e fixar multas astronômicas. Como justificativa, invocaram o manto do segredo de justiça.

Porém, essa expressão ressignificada para reinar, absoluta, no “vocabulário alexandrino”, costumava designar, na ordem constitucional de 88, uma confidencialidade excepcional em torno de dados relativos à intimidade dos indivíduos (sigilos bancário, fiscal, telefônico, etc.), das famílias, e à proteção dos resultados de investigações em curso. Assim, como, nesse caso, não há qualquer segredo a ser resguardado – pelo contrário, os ditos “inimigos da democracia” foram, e continuam sendo expostos indevidamente pelo establishment togado! -, muito menos diligências policiais pendentes contra autores de crimes, o silêncio peremptório foi mais um signo de prepotência e arbítrio. Arbítrio que segue sendo exercido sem pudor, sabe-se lá até quando.

Mais TSE – Na mira, o “gabinete do ódio

Na mesma toada exaustiva do autoritarismo de toga, a corte anunciou que deverá dar início ao julgamento do que designou como “mega-caso” contra Jair Bolsonaro e mais 46 figuras ligadas à dita direita, pela suposta propagação de “desinformação”. Dentre os alvos, vários jornalistas, blogueiros, comunicadores e até humoristas.

Regimes totalitários são caracterizados pela prática de expurgos contra quaisquer pessoas que ousem divergir, ou apenas questionar os ridículos tiranos de plantão. Se nossos estilhaços de instituições não forem recolocados de pé, temos fortes motivos para temer o uso da caneta como ferramenta de perseguição maciça a supostos “opositores” do sistema vigente. 

O TST e o imbróglio da contribuição sindical

A 8ª. Turma da corte trabalhista derrubou uma imposição de contribuição sindical, devido à impossibilidade de exercício, pelo trabalhador, do direito à recusa. Atuou corretamente o tribunal, tendo resguardado a faculdade do empregado de não desejar contribuir com seu sindicato.

Como você leu aqui https://www.boletimdaliberdade.com.br/2023/09/08/panorama-juridico-no-006-08-09-2023/#google_vignette, todo esse imbróglio foi ressuscitado pelo Supremo, que, tendo usurpado atribuição legislativa e modificado seu próprio entendimento anterior, fez ressurgir das cinzas o monstro da contribuição, com a autorização de cobrança até de funcionários não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição. No entanto, diante dos inúmeros obstáculos criados por sindicatos para impedir o legítimo exercício dessa prerrogativa, difícil será avaliar, na prática, se o trabalhador efetivamente se opôs à “sangria”. A caminho, a perspectiva de uma chuva de ações sobre a matéria, com agravamento da insegurança jurídica. E todo esse horizonte de incertezas graças, mais uma vez, à atuação daquela que deveria ser a nossa corte constitucional.

Mais TST – Bastião da luta contra o racismo?

Uma fábrica de refrigerantes terá de indenizar, em R$ 50 mil, um auxiliar de manutenção cuja promoção teria sido impedida por ser negro, e portador de deficiência física. Segundo o autor da ação, contratado em vaga por cotas para pessoas com deficiência, teria surgido uma oportunidade de promoção ao cargo de técnico em manutenção, para cuja seleção ele sequer teria sido convidado. Em sua defesa, a empresa sustentou que o funcionário nem mesmo poderia exercer a função de técnico, pois, além de não possuir carteira de motorista, não poderia pilotar motocicleta, devido à sua deficiência no pé.

Aqui, as empresas se veem “compelidas” a promoverem certos funcionários, apesar de sua incapacidade física para a função, e apesar do juízo dos empregadores que bancam a conta. Sob o jugo da maioria dos togados trabalhistas, gestores privados passam a não mais dispor de autonomia gerencial sobre seus próprios negócios. E as oportunidades profissionais minguam!

TRT-10 mantém redução de jornada de pai de jovem com TEA

Rejeitando recurso da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a 2ª Turma do tribunal manteve a redução na carga-horária (sem modificação salarial) de médico cujo filho apresenta transtorno do espectro autista (TEA). Segundo o autor da medida, o corte da jornada seria destinado ao acompanhamento do jovem em sessões terapêuticas.  

Sem prejuízo da compaixão despertada pelo drama familiar, é inaceitável tamanha interferência da figura do estado-juiz no âmbito das relações negociais entre um profissional e a firma contratante dos serviços. Seres humanos não são empregados por “empatia”, e se, por razões pessoais, o médico não pode cumprir a jornada integral, é iníquo que seja remunerado no mesmo valor que seus colegas que o fazem. Porém, o hobby favorito dos magistrados do trabalho continua sendo o de fazer caridade com chapéu alheio.

STJ invalida provas obtidas “em casa errada

As provas obtidas ao cumprir mandado de busca e apreensão no endereço errado são inválidas, ainda que a diligência tenha encontrado drogas e apetrechos usados para o tráfico de entorpecentes, delito permanente.” Com base nesse entendimento, o ministro Rogério Schietti trancou ação penal iniciada a partir de provas obtidas pela Polícia Militar do Espírito Santo. Os policiais tinham autorização de busca em endereço identificado pela cor azul do portão, mas, diante da incapacidade de localização, promoveram a diligência na casa vizinha (portão cinza), onde efetivamente encontraram drogas e apetrechos.

Mais uma canetada na interminável série de decisões muito benéficas à criminalidade grossa.

Chefe de gabinete de Toffoli assume casos contra Bretas no CNJ

A atual braço-direito do “amigo do amigo do meu pai”, e futura conselheira Daiane Nogueira de Lira assumirá a relatoria dos três processos, em curso no CNJ, contra o juiz afastado Marcelo Bretas. Durante o período lavajatista, Bretas havia exercido enorme protagonismo na punição de corruptos notórios, como, por exemplo, o ex-governador Sergio Cabral.

Vamos fingir acreditar na isenção da moça em relação ao magistrado fluminense?

Salomão e o juiz goiano “contrário” à PM

Afastado desde que defendeu, em audiência, a extinção da Polícia Militar, o magistrado Adriano Roberto Linhares foi reintegrado ao cargo pelo corregedor nacional de justiça, ministro Luís Felipe Salomão. O apreço de Salomão pela institucionalidade não durou o tempo de um suspiro…

Mais CNJ: aprovada a resolução que institui o “Enem” da magistratura

Por unanimidade, foi chancelada mais essa “inovação” de Barroso, sem qualquer amparo na Constituição ou nas leis. Agora, é aguardar uma “seleção” prévia ao concurso oficial, tão ou mais ideologizada que o Enem 2023. Se a pedagogia freiriana criou gerações de analfabetos militantes de esquerda, o novo crivo tem tudo para “gestar” levas de nulidades jurídicas, sempre prontas aos ataques contra a propriedade privada e à defesa das ditas “minorias oprimidas”. É ver para crer.

CNJ proíbe discriminação em adoção por pessoas homoafetivas

Foi aprovada, pelo Conselho, nova regra proibindo juízes e desembargadores de recusarem pedidos de adoção ou tutela de crianças e jovens, sob a alegação de que os adotantes formariam um casal homoafetivo. O CNJ nada fez além de “chover no molhado”, pois o conhecidíssimo artigo 5º da nossa Constituição já assegura a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Muito mais útil – e humano! – que editar normas “simpáticas” às lentes da grande mídia seria exigir dos togados a agilidade necessária aos processos de adoção, evitando o sofrimento de menores, em anos de “fila” à espera de um lar. Porém, a intenção é “lacrar”, e não cumprir a função pública para a qual magistrados e seus assessores são regiamente remunerados. 

No CNJ, a “dama do tráfico” entra sem bater

Em seu tour por Brasília, Luciane Barbosa Farias, conhecida como a “dama do tráfico”, visitou os ministérios da justiça e dos direitos humanos, e ainda teve tempo de dar um pulo no CNJ. A moça, condenada em segunda instância por associação ao tráfico, e mulher do chefe do Comando Vermelho no Amazonas, foi acolhida com tapete vermelho pelos nossos figurões.

No Conselho, trocou ideias – sabe-se lá quais – com o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, que também tem assento no TST. Em foto postada por ela mesma, a dama apenas segurava a maçaneta da porta da sala de Vieira de Mello, sem sequer uma batida antes de adentrar o recinto. Você que tiver familiaridade com o meio jurídico bem conhece as dificuldades no acesso ao gabinete de togados, e a quase impossibilidade, pelo menos para os “mortais”, de ingressar nos domínios dos magistrados de cúpula. 

Já para a dama, a passagem se abre fácil, sem pedido de licença. Afinal, para que bater à porta, quando se é a dona da bola?

*Kátia Magalhães é advogada, liberal e apaixonada por arte e cultura.

Assine o Boletim da Liberdade e tenha acesso, entre outros, às edições semanais da coluna panorama

plugins premium WordPress
Are you sure want to unlock this post?
Unlock left : 0
Are you sure want to cancel subscription?