Por Rafael Moredo*
Um dos fatores mais relevantes das eleições deste ano foi a influência massiva das chamadas “Emendas PIX”, transferências de recursos públicos de parlamentares para estados e municípios por meio de uma modalidade de “transferência especial” direta, sem a necessidade de celebrar convênios ou instrumentos similares, que carece de critérios técnicos para destinação e garantia da transparência. Essas emendas serviram como um catalisador para a reeleição de políticos beneficiados por esses recursos, fortalecendo ainda mais o fisiologismo do Centrão. Além disso, o mal uso do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, o popular “Fundão”, tem contribuído para a perpetuação do poder de caciques políticos e para o surgimento de possíveis candidaturas “laranjas”.
De acordo com um levantamento realizado pela GloboNews, as cidades mais beneficiadas por Emendas PIX registraram índices de reeleição de prefeitos superiores a 90%. Entre as 100 cidades que mais receberam essas transferências, 58 prefeitos concorreram à reeleição e 54 foram reeleitos. De 2020 a 2023, o montante destinado por meio dessas emendas ultrapassou R$ 35 bilhões, e a maior parte desse valor foi direcionada a municípios que apresentaram índices elevados de reeleição. Os partidos que compõem o chamado Centrão, como o PSD, MDB, Progressistas, Republicanos e União Brasil, foram os principais beneficiados, conquistando um terço das prefeituras do país.
Essas emendas têm sido criticadas pela falta de transparência e desigualdade que geram entre os municípios. Parlamentares tendem a destinar os recursos para suas bases eleitorais, criando um cenário em que algumas cidades são privilegiadas em detrimento de outras, distorcendo a equidade na oferta de políticas públicas e o equilíbrio nas disputas municipais. Em uma estrutura onde o acesso a recursos públicos é desigual, os prefeitos que conseguem canalizar esses repasses para suas cidades acabam consolidando seu poder político.
Esse fenômeno, conhecido como fisiologismo, tem como principal objetivo assegurar que prefeitos, vereadores e deputados mantenham seus cargos através da dependência de recursos destinados por parlamentares federais, com a respectiva devolução do favor na forma de votos das bases eleitorais. Como destacou o cientista político Magno Karl, “as emendas desequilibram a política local, tornando os políticos municipais reféns das relações que estabelecem com deputados federais para garantir o sucesso eleitoral”. A quantidade de recursos manejados pelas emendas tem o poder de transformar a execução de políticas públicas, gerando uma dependência que vai além da simples cooperação política. Isso tudo ocorre em detrimento de uma agenda robusta de políticas públicas, que é muitas vezes deixada de lado em favor de interesses eleitorais imediatos, comprometendo o desenvolvimento de longo prazo e o atendimento eficaz das necessidades da população.
No entanto, a má distribuição de recursos públicos não se limita às Emendas PIX. O Estadão revelou que, nas eleições de 2024, foram identificadas 2.771 candidaturas para vereador que receberam mais de R$ 1 mil por voto, financiadas pelo Fundão Eleitoral e pelo Fundo Partidário. Esses candidatos, que receberam um total de R$ 54,7 milhões, conquistaram apenas 30.886 votos, com uma média de R$ 1.771,83 por voto. Em alguns casos, os gastos chegaram a ser absurdos. Um exemplo é o da candidata Chica Feitoza, de Floriano (PI), que recebeu R$ 120 mil do Progressistas, mas obteve apenas 8 votos. Curiosamente, muitos desses candidatos “caros” nem sequer fizeram campanhas visíveis, como perfis em redes sociais, o que levanta sérias suspeitas de candidaturas “laranjas”.
Essa combinação de Emendas PIX e candidaturas “laranjas” desenha um quadro alarmante para a renovação política, que é agravado pela falta de transparência. Em vez de promover uma maior pluralidade e competição, o sistema de financiamento eleitoral tem sido usado para reforçar o status quo, dificultando a ascensão de novas lideranças e perpetuando práticas clientelistas. Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF) tentou conter essas distorções ao declarar inconstitucional o uso das chamadas emendas do relator. No entanto, o novo governo federal conseguiu manter o fluxo de recursos através das Emendas PIX, utilizando brechas jurídicas que permitiram a continuação desse modelo de repasse direto. Como resultado, no primeiro ano do governo Lula, cerca de R$ 7 bilhões foram repassados a municípios que possuíam apadrinhamento político no Congresso.
Enquanto os eleitores pagam caro por essas distorções — seja pelos altos custos do Fundão Eleitoral ou pela manipulação de recursos pelas emendas —, a política brasileira parece se afastar cada vez mais de uma representatividade genuína. A desigualdade no acesso aos recursos eleitorais, aliada à falta de transparência na destinação desses fundos, enfraquece a competitividade nas eleições e compromete a confiança dos cidadãos no sistema democrático.
Se o Brasil deseja uma renovação política de fato, será preciso enfrentar essas distorções, promovendo reformas que impeçam o uso de recursos públicos como moeda de troca eleitoral e garantam uma distribuição mais justa e transparente de recursos. Afinal, a democracia não pode ser refém de práticas fisiológicas que só beneficiam uma elite política em detrimento da ampliação de escolhas para os indivíduos que mais precisam.
*Rafael Moredo é analista de Relações Governamentais do Livres