Por Maria Eduarda dos Santos Vargas*
Em meio às vastas e intrincadas estruturas de uma sociedade cada vez mais regulamentada, o indivíduo moderno assemelha-se ao Minotauro: aprisionado em um labirinto inescapável. Atualmente, não somos monstros mitológicos, mas sim criaturas encerradas em um complexo emaranhado de leis e normas, um labirinto cuidadosamente erguido pelo Estado, cujas paredes delimitam a existência de cada um de nós. Assim como o Minotauro vaga sem encontrar a saída, somos conduzidos por caminhos previamente traçados, nossas escolhas circunscritas pelas diretrizes do poder estatal. Somos, ao mesmo tempo, bestas e prisioneiros, subjugados ao labirinto de leis que, ao invés de proteger, nos enclausuram.
O Minotauro, criatura meio homem, meio touro, nasceu de uma união incomum e foi confinado por sua própria natureza, compelido a habitar o escuro e labiríntico domínio criado pelo rei Minos para ocultar e aprisionar o que, aos olhos do mundo, representava uma ameaça à ordem. Assim, ele vive cativo, preso por muros erguidos para o conter, não por crimes ou erros, mas pela própria essência de sua existência. Da mesma forma, o cidadão contemporâneo encontra-se perdido em um labirinto de regras, decretos e restrições, sufocado e cego pela escuridão de um sistema que, supostamente, deveria conduzi-lo à segurança e à prosperidade, mas que muitas vezes serve apenas para tolher a sua liberdade e individualidade.
A vastidão do labirinto estatal, como o labirinto de Creta, é enganadora, cada lei, cada regulamento, parece inicialmente servir a um propósito ordenado, uma racionalidade para o bem comum, mas, aos poucos, esses instrumentos de controle erguem-se como muros altos e intransponíveis, de tal modo que o indivíduo perde-se em um labirinto sem saída. Portanto, a promessa de segurança e ordem torna-se uma prisão invisível, onde cada passo é monitorado e cada escolha delimitada. Nossas vidas tornam-se uma contínua adaptação ao sistema, um jogo de obediência, onde nos movemos cuidadosamente para não infringir as regras que crescem a cada dia, transformando-nos em reféns de uma ordem que, no entanto, sempre nos escapa.
Assim como o Minotauro é alimentado periodicamente com sacrifícios, o indivíduo moderno paga tributo ao Estado, entregando sua privacidade, sua autonomia e, em muitos casos, até mesmo seus sonhos e aspirações. O labirinto é um reflexo do poder que nos constrange, uma estrutura que se retroalimenta, em que o indivíduo torna-se uma sombra, um fragmento do que poderia ser. Paralelamente, o Minotauro, outrora uma criatura livre, transforma-se em mero prisioneiro de um sistema que o vê não como ser dotado de vontade, mas como um problema a ser controlado. Dessa forma, o Estado frequentemente enxerga o cidadão não como um ser autônomo, mas como um objeto de vigilância, um número a ser gerido dentro das fileiras de uma estrutura que dita até as mais íntimas esferas da existência.
Eis o paradoxo: assim como o labirinto de Minos fora construído para garantir a segurança do reino, o sistema de leis e regulamentações é, em tese, um instrumento de justiça e equilíbrio social. Contudo, ao exceder seus limites, torna-se opressivo, transformando a promessa de ordem em uma imposição silenciosa e onipresente. O labirinto estatal cresce constantemente, adaptando-se a novas formas de controle, enquanto o indivíduo luta para preservar sua identidade em meio ao constante escrutínio e regulamentação. Cada nova regra, cada novo decreto adiciona um corredor ao nosso labirinto; e nos percebemos cada vez mais perdidos, incapazes de enxergar uma saída, presos em uma estrutura que nos encerra em um ciclo de submissão.
Por sua vez, o Minotauro, relegado à solidão de um labirinto que o contém, não difere tanto de nós, cidadãos do mundo moderno. Ele é o símbolo de nossa condição de prisioneiros, aprisionados por leis e regras cuja complexidade nos afasta da liberdade, da escolha, e até mesmo da compreensão de nós mesmos. No fim, não somos diferentes daquela criatura mítica: entrelaçados nos corredores de um sistema que nos vigia e nos limita. Tentamos, de maneira vã, encontrar uma brecha, uma saída para que possamos, finalmente, alcançar a autonomia plena.
*Maria Eduarda dos Santos Vargas é Adventista, graduanda em Direito pela FMP, trabalha na 3ª Câmara Criminal – TJRS. Atualmente, é Diretora de Comunicação pelo Instituto Atlantos e integra a gestão do grupo de estudos Lei & Liberdade na FMP.