Por João Gabriel Gonçalves Soares*
A tradição liberal dos direitos enraíza-se na defesa intransigente da liberdade individual contra as intromissões do estado e de outras forças coercitivas. Como traçado por José Guilherme Merquior, a evolução do pensamento liberal, desde suas origens, destaca como o liberalismo clássico coloca a liberdade individual como seu valor supremo. Desde o século XVIII, pensadores como John Locke argumentaram que os direitos naturais – vida, liberdade e propriedade – são inalienáveis e devem ser protegidos de qualquer abuso de poder. Todavia, essa filosofia evoluiu para responder aos desafios modernos, buscando equilibrar a liberdade individual com as demandas por justiça social e igualdade de oportunidades. No entanto, Merquior assim como Frédéric Bastiat (que abordarei mais à frente) advertem que a defesa contemporânea dos direitos frequentemente se traduz em violações dos direitos naturais. Esta tensão entre a proteção e a violação dos direitos individuais é central ao debate atual, onde muitas políticas, em nome da “defesa dos direitos”, acabam por comprometer a liberdade que prometem proteger. Essa é a dinâmica que este artigo propõe defender que a verdadeira preservação dos direitos individuais requer um retorno aos princípios liberais clássicos do direito de Locke, Bastiat e Smith.
Estamos presenciando no mundo e no Brasil uma onda de ataques do coletivo contra o indivíduo. Tais ataques são justificados com pautas moralistas que podem fazer sentido ou não (dependendo da opinião individual), e, por mais que esses ataques pareçam virtuosos e busquem um “bem maior”, na prática se provam o contrário. Quando se propõe censura da mídia e das redes sociais ataca-se diretamente o direito à liberdade de expressão, assim como, indiretamente, ataca a liberdade de pensamento ao considerar errada ou inadequada uma visão divergente daqueles que estão no poder. Também, quando o estado impõe “contribuição involuntária” da propriedade do indivíduo em todos os níveis da cadeia de produção, está atacando diretamente o direito à propriedade, garantia essa que nos permite usar dos recursos disponíveis para manter, desenvolver e aperfeiçoar a vida. Ainda, quando impõe-se direitos que definem como relações comerciais voluntárias devem ocorrer, estamos – na realidade – impondo um aumento de custos para um lado da relação e na outra via uma redução da remuneração em prol da existência desse pseudo direito. Em suma, a regulamentação das redes sociais, a cobrança de impostos e a lei trabalhista, são exemplos de como o estado brasileiro na atualidade está armado de “direitos” e ao invés de defendê-los acaba atacando os direitos individuais.
Quando Baruch Spinoza, em seu “Tratado Político”, apresenta o direito natural e a importância da liberdade individual, abre caminho para ferir essas mesmas ideias. Ele argumenta que o direito natural de cada indivíduo é limitado pelo poder de cada um. Essa citação destaca a concepção de que os direitos de um indivíduo são determinados pela sua capacidade de agir e existir sem interferências indevidas. Porém, é quando Spinoza vê o estado – seja a organização política que for – como uma entidade cuja função principal é garantir a paz e a segurança, que abre-se brechas para ferir o direito natural que o próprio defende. É com seu ceticismo nesse ponto que, 200 anos depois, Frédéric Bastiat publica “A Lei”.
Frédéric Bastiat, em “A Lei”, apresenta uma crítica contundente às intervenções governamentais excessivas, argumentando que a verdadeira função da lei é proteger os direitos individuais, não violá-los. Ele afirma: “A lei é a organização do direito natural de legítima defesa… para evitar que a injustiça reine sobre a justiça.”. Bastiat alerta que, quando o governo se expande além dessa função, frequentemente em nome da “defesa dos direitos”, acaba por infringir os direitos que deveria proteger. Na contemporaneidade, essa crítica se manifesta na forma de políticas e regulações que, ao invés de garantir a liberdade individual, impõem restrições e controles que limitam a autonomia dos cidadãos. Como exemplificado anteriormente, políticas de regulamentação das redes sociais ferem a liberdade de expressão, a cobrança e o aumento inescrupuloso de impostos roubam a propriedade individual que é um direito natural, e legislações que prometem direitos acabam por entregar falsas dignidades em prol de uma fictícia igualdade dita como básica. A intervenção estatal, sob o pretexto de defender direitos, muitas vezes cria uma dependência que enfraquece a capacidade dos indivíduos de se autodeterminarem e diminui a responsabilidade pessoal. Assim, a crítica de Bastiat continua relevante, reforçando a necessidade de reavaliar até que ponto as ações do governo realmente promovem ou prejudicam a liberdade individual. Portanto, para uma verdadeira defesa dos direitos, é crucial retornar aos princípios liberais que limitam o papel do estado à proteção da vida, liberdade e propriedade.
Assim como Adam Smith expressou sua opinião sobre a sociedade mercantilista sendo “desigual e não-virtuosa, mas não injusta”, também a lei não é capaz de garantir uma igualdade plena e um aumento de “direitos” que não os já existentes direitos naturais. Atualmente, a defesa dos “direitos” muitas vezes se traduz em políticas que limitam a autonomia individual, criam dependências e enfraquecem a responsabilidade pessoal. Que por sua vez geram os efeitos contrários e não desejados, como igualdade de pobreza, educação e saúde de má qualidade, e não mais uma desigualdade econômica maleável com chances de mudanças sociais, mas sim uma desigualdade política rígida e sem chance de mudanças, onde por meio da Lei – portanto da Força – todos serão possuidores da mesma quantidade de pobreza, porém sem poder algum sobre a própria vida. Essa inversão de valores desrespeita a tradição dos direitos, que preconiza a liberdade e a consequente responsabilidade como pilares fundamentais de uma sociedade justa e próspera.
Em outras palavras, segundo os liberais clássicos, para proteger verdadeiramente os direitos individuais, é imperativo retornar aos princípios fundamentais do direito. Isso significa reafirmar o papel limitado do estado na vida dos cidadãos, garantindo que sua função una seja a proteção da vida, liberdade e propriedade, sem interferir nas escolhas pessoais. Apenas assim poderemos assegurar um ambiente onde os direitos individuais não apenas sobrevivam a essa milícia armada de direitos modernos, mas prospere possibilitando que as demais vantagens dessa liberdade individual floresçam.
*João Gabriel Gonçalves Soares é coordenador do Instituto Atlantos e aluno do Mises Academy.
Referências
BASTIAT, Frédéric. A Lei. Tradução de Pedro Sette-Câmara. São Paulo: LVM Editora, 2019.
MERQUIOR, José Guilherme. O Liberalismo: Antigo e Moderno. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1991.
SPINOZA, Baruch. Tratado Político. Tradução de José Pérez. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2020.