Por Catharina Donato*
Tratar o cliente com um mínimo de dignidade, oferecendo um serviço melhor e mais barato, tornou-se “concorrência desleal” no Brasil.
Se as pessoas escolhem, voluntariamente, usar um serviço específico, é porque: ou é mais barato, ou o serviço é melhor, ou, no cenário perfeito, ambas as opções. Hoje, a Buser possui mais de 11 milhões de clientes cadastrados em sua plataforma, mas, após pedido da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em Minas Gerais, reverteu uma sentença que dava à Buser o direito de intermediar transporte interestadual de passageiros. Quais seriam as irregularidades cometidas pela Buser? Enganar os consumidores? Transportes ilegais? Veículos operando sem um mínimo padrão de qualidade? Não.
Segundo a Justiça de Minas Gerais, o modelo de negócios da Buser e de suas parceiras configura “concorrência desleal com as empresas concessionárias”. Ou seja, o crime hediondo da Buser foi desafiar a arte brasileira de cobrar caro por algo medíocre. Uma verdadeira ameaça à tradição dos serviços ruins e caros! A Justiça, muito justa, obviamente se alinha a quem realmente importa: os coitados dos concorrentes. Mas essa não é a primeira vez que a concorrência (através da chamada “Justiça brasileira”) tenta impedir a população de ter acesso a um serviço melhor e mais barato. Em novembro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou improcedente ação movida pela Empresas Reunidas Paulista de Transportes contra a Buser e outras empresas de fretamento.
Por que melhorar ou baratear o serviço, se é muito mais fácil usar a Justiça para seu próprio privilégio, impedindo a concorrência?
Outra vítima da nossa “justiça tupiniquim” é a Blablacar, que teve seu aplicativo proibido de funcionar no estado do Paraná, sob pena de multa diária de 50 mil reais. A Blablacar é um aplicativo de carona que funciona de modo similar ao Uber e à Buser, onde o usuário pode oferecer caronas e monetizar uma viagem que o motorista já faria de qualquer forma, o que, de quebra, ainda diminui a poluição gerada por vários carros que fariam trajetos similares. Qual o motivo para a proibição? Oferecer “transporte coletivo intermunicipal de forma irregular”. O Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que os motoristas poderiam estar oferecendo viagens comerciais com “caráter profissional”, caracterizando uma prática irregular, já que os condutores não possuem autorização do governo. Ou seja, o crime cometido foi… trabalhar no Brasil. Que audácia!
Ah, só mais um dia comum no paraíso jurídico tupiniquim. Não vamos nos esquecer dos taxistas pedindo a proibição da Uber, do ataque da justiça contra o iFood, nem da taxação das “blusinhas da Shein”, que beneficiaram ninguém menos que uma grande empresária que fez o L na eleição passada.
A Buser já recorreu contra a decisão absurda. Vamos esperar que seja revertida ou seremos forçados a voltar a usar os ônibus sujos, muitas vezes sem água, sem carregador de celular e pagando o preço de um leito no ônibus para viajar em um assento que mal reclina.
No final, a quem a Justiça serve? Definitivamente não aos consumidores.
Catharina Donato é associada e líder do Clube do Livro do LOLA Brasil. É também fellow do programa María Oropeza Activism Fellowship.