Rafael Moredo*
Os chamados supersalários — remunerações que extrapolam o teto constitucional do serviço público — representam um dos maiores entraves à construção de um Estado mais justo, eficiente e comprometido com o interesse público. Embora o artigo 37 da Constituição Federal estabeleça um limite para os vencimentos dos servidores públicos, na prática esse teto é frequentemente ultrapassado por meio de penduricalhos, adicionais e gratificações classificadas como verbas indenizatórias.
Ao invés de coibir essas distorções, o Projeto de Lei 2721/2021, conhecido como PL dos Supersalários, corre o risco de institucionalizá-las. A proposta, atualmente em análise no Senado, prevê 32 exceções ao teto constitucional, muitas das quais classificadas de forma questionável como indenizatórias — mesmo quando são contínuas, previsíveis e utilizadas por categorias inteiras como complementação salarial regular. A título de exemplo, somente quatro dessas exceções gerariam um impacto de pelo menos R$ 3,4 bilhões por ano nas contas públicas, segundo estimativas da Transparência Brasil.
O argumento de valorização do servidor, usado por defensores do projeto, esconde o fato de que esses benefícios são usufruídos por uma minoria. Dados do República.org indicam que metade dos servidores públicos no Brasil recebe até R$ 3.391 mensais, enquanto apenas 0,3% supera o teto constitucional. Manter privilégios para essa minoria, em um país onde a maioria da população depende de serviços públicos precários, é moralmente indefensável e economicamente insustentável.
Além do impacto fiscal, os supersalários corroem a confiança da população nas instituições. Uma pesquisa recente mostrou que 93% dos brasileiros são contrários a esse tipo de privilégio, e um em cada quatro acredita que a maioria dos servidores ganha acima do teto — percepção equivocada, mas compreensível diante da visibilidade e frequência dos abusos divulgados.
É urgente que o Senado Federal altere profundamente o texto do PL 2721/2021 ou o rejeite por completo. Qualquer reforma séria precisa acabar com as brechas que permitem a perpetuação de privilégios e estabelecer critérios rígidos e transparentes para a classificação de verbas indenizatórias. Do contrário, estaremos apenas reforçando desigualdades e desperdiçando recursos que poderiam ser destinados a políticas públicas essenciais como saúde, educação e segurança.
O combate aos supersalários não é um ataque ao funcionalismo público — é, ao contrário, uma defesa da responsabilidade fiscal e do princípio republicano de que ninguém deve estar acima da lei.
*Rafael Moredo é internacionalista pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e coordenador de políticas públicas do Livres.