A Argentina vem vivendo constantes crises econômicas desde a grande crise de 1930, atravessando governos ditatoriais seguidos por uma democracia frágil. O ciclo de prosperidade vivido a partir de 1880, quando a Argentina era mais rica que Estados Unidos, França e Alemanha, teve um fim abrupto com a grande crise mundial dos anos 1930.
A crise se estendeu ao campo, com a queda dos preços do milho e trigo, levando milhares de trabalhadores rurais a buscar emprego nas grandes cidades, surgindo assim as primeiras villas (favelas argentinas). O tango, como produto social, reflete até hoje esse clima de protesto, sendo a voz das classes trabalhadoras. O tango nada mais foi que um retrato de uma sociedade arrasada e sem esperança, incorporando em suas letras pela primeira vez o suicídio e a ausência de Deus.
Desde a década de 1930, inúmeras outras canções foram escritas no decorrer de diversas crises econômicas na Argentina, retratando assim anos de sofrimento da população. Quem viaja a Buenos Aires consegue ficar deslumbrado com palacetes dos anos 1890, como o antigo Hotel Alvear, onde se hospedava a aristocracia europeia em visita a Buenos Aires. A Avenida Alvear, com suas mansões da Belle Époque, no passado foi comparada a outras avenidas como a Champs Élysées, em Paris, ou a Quinta Avenida, em Nova York.
Atualmente é um retrato da decadência argentina, com praticamente todos os pontos comerciais anteriormente ocupados por grandes marcas agora abandonados. Diversas medidas tomadas nas últimas décadas pelo governo central fizeram com que a riqueza material e intelectual do país migrasse para outras nações, contribuindo cada vez mais para o declínio econômico local. Controle cambial, taxação de grandes fortunas, controle de importações e exportações, dentre outras medidas, acabam agravando cada vez mais uma situação que já é delicada e que se reflete na diminuição do poder de compra da população mais pobre.
A poucos quilômetros da capital, Buenos Aires, essa realidade é muito mais impactante do que a vista na Avenida Alvear, retratando a verdadeira Argentina, em que mais de 40% da população vive na pobreza. Depois de quase um século de repetidas crises econômicas, as mesmas medidas que levaram à situação econômica atual do país continuam sendo colocadas em prática, levando a Argentina a mais um ciclo de instabilidade econômica. O tango argentino vai continuar pelo visto por muitos anos refletindo os milhares de vozes sem perspectiva de um povo que já vem sofrendo há quase um século.
*Por Mateus Ferronatto, associado do Instituto de Estudos Empresariais (IEE)